O GRANDE
DESCONHECIDO
O Espírito Santo na Igreja
A ordem lógica das ideias nos leva agora a contemplar a ação do Espírito Santo na Igreja, fundada pelo próprio Cristo, Salvador do mundo.
Escutemos, em primeiro lugar, a breve, porém luminosa exposição de Dom Columba Marmión:
Antes de subir aos céus, Jesus prometeu a seus discípulos que rogaria ao Pai para que lhes desse o Espírito Santo e fez desse dom do Espírito objeto de uma súplica especial para nossas almas: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. É o Espírito da Verdade” (Jo 14 16-17). E já sabeis como foi atendida a petição de Jesus, com que abundância se deu o Espírito Santo aos apóstolos no dia de Pentecostes. Desse dia, data, por assim dizer, a tomada de posse por parte do Espírito divino da Igreja, Corpo místico de Cristo; e podemos acrescentar que, se Cristo é o Chefe e a Cabeça da Igreja, o Espírito Santo é a alma desse Corpo. Ele é quem guia e inspira à Igreja, guardando-a, como o prometeu Jesus, na verdade de Cristo e na luz que Ele nos trouxe: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito". (Jo 14, 26)
Essa ação do Espírito Santo na Igreja é variada e múltipla. Vos disse anteriormente que Cristo foi consagrado Messias e Pontífice por uma unção inefável do Espírito Santo, e com unção parecida consagra Cristo aos que quer fazer participantes de seu poder sacerdotal para prosseguir na terra sua missão santificadora: “Recebei o Espírito Santo”... (Jo 20, 22) “o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastorear a Igreja de Deus” (At 20, 28); o Espírito Santo é quem fala por sua boca e dá valor a seu testemunho (Jo 15,26; At 15,28; 20,22-28).
Do mesmo modo, os sacramentos, meios autênticos que Cristo colocou nas mãos de seus ministros para transmitir a vida às almas, jamais se conferem sem que preceda ou acompanhe a invocação ao Espírito Santo. Ele é quem fecunda as águas do batismo: “Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus.” (Jo 3, 5). Deus – acrescenta São Paulo – nos salva na fonte da regeneração, renovando-nos pelo Espírito Santo” (Tt 3, 5). Esse mesmo Espírito se nos “dá” no sacramento da confirmação, para ser a unção que deve fazer do cristão um soldado intrépido de Jesus Cristo; Ele é quem nos confere nesse sacramento a plenitude da condição de cristão e nos reveste da fortaleza de Cristo.
Ao Espírito Santo – como nos evidencia, sobretudo, a Igreja Oriental – se atribui a transformação que faz do pão e do vinho no corpo e sangue de Jesus Cristo. Os pecados são perdoados no sacramento da penitência pelo Espírito Santo (Jo 20, 22-23). Na unção dos enfermos se lhe pede que “com sua graça cure ao enfermo de suas doenças e culpas”. No santo matrimônio, enfim, se invoca também ao Espírito Santo para que os esposos cristãos possam, com sua vida, imitar a união que existe entre Cristo e sua Igreja.
Vedes quão viva, profunda e incessante é a ação do Espírito Santo na Igreja? Bem podemos dizer com São Paulo que é o “Espírito de vida” (Rm 8, 2); verdade que a Igreja repete no Símbolo quando expressa sua fé no “Espírito vivificador”: Dominum et vivificantem. É, pois, verdadeiramente a alma da Igreja, o princípio vital que anima à sociedade sobrenatural, o que a rege e une entre si seus diversos membros e lhes comunica vigor e beleza espiritual.
Nos primeiros dias da Igreja, sua ação foi muito mais visível do que em nossos. Assim convinha aos desígnios da Providência, porque era mister que a Igreja pudesse se estabelecer solidamente, manifestando ao olhos do mundo pagão os sinais luminosos da divindade de seu fundador, de sua origem e de sua missão. Esses sinais, fruto da efusão do Espírito Santo, eram admiráveis e ainda nos maravilhamos ao ler o relato do início da Igreja. O Espírito descendia sobre aqueles a quem o batismo fazia discípulos de Cristo e os preenchia de carismas tão variados quanto assombrosos: graça de milagres, dom de profecia, dom de línguas e outros mil favores extraordinários concedidos aos primeiros cristãos para que, ao contemplar a Igreja embelezada com tal profusão de magníficos dons, se visse bem às claras que era verdadeiramente a Igreja de Jesus.
Lede a primeira epístola de São Paulo aos Coríntios; e vereis com que fruição enumera o Apóstolo as maravilhas de que ele mesmo foi testemunha. Em cada enumeração desses dons tão variados acrescenta: “A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum” (1Cor 12-7-13), porque Ele é amor, e o amor é fonte de todos os dons “no mesmo Espírito”. Ele é quem fecunda a esta Igreja, que Jesus redimiu com seu sangue e quis que fosse “santa e imaculada” (Ef 5, 27).
Vamos precisar agora, com todo rigor e exatidão teológica, em que sentido o Espírito Santo é e pode ser chamado alma da Igreja. Antes de mais nada, é evidente que o Espírito Santo não é e nem pode ser a forma substancial da Igreja no sentido em que o é a alma do corpo humano a quem ela informa. A alma, como é sabido e já foi definido pela Igreja, é a forma substancial do corpo humano a quem anima (cf. D 481). Com tal forma, tem a missão de informar, ou seja, de dar ao corpo seu ser de corpo humano, de formar com ele um mesmo e único ser, determinado específica e numericamente pela própria alma.
É claro que o Espírito Santo não pode ser a alma da Igreja nesse sentido, porque, aparte de que a forma é parte de um composto determinado (e Deus não pode ser parte de nada e nem de ninguém), se seguiria que a Igreja teria um ser substantivamente divino, já que formaria uma mesma substância com sua forma, ou seja, que a Igreja seria Deus; o que é herético e absurdo.
Porém, ademais da função de informar, ou ademais de dar ao corpo o ser que tem e de formar com ele uma unidade substantiva, a alma possui e desenvolve outras funções, tais como unificar as partes do corpo entre si, vivificá-las e movê-las. E isso sim pode fazê-lo e de fato faz o Espírito Santo como alma da Igreja. Vejamo-lo detalhadamente (Emilio Sauras, O.P).
1. Unifica a igreja
Há na Igreja uma grande diversidade de membros. Há diversidade hierárquica, diversidade carismática, diversidade santificadora. Há quem rege e quem obedece; e entre os que regem, há quem o faça com poder universal e quem o faz com poder limitado: papas, bispos, sacerdotes. Há também aqueles que possuem diversos carismas: uns fazem milagres, outros profetizam, outros ensinam... Há, ademais, diversos graus de santidade: uns possuem a graça santificante em suas manifestações mais excelsas; outros são menos santos e não faltam aqueles que possuem apenas o imprescindível para se salvar ou até menos. Há santos muito santos, há justos que se limitam a estar em graça e há pecadores.
Mas apesar de tanta diversidade, existe entre todos eles uma unidade íntima. Cristo a pediu para os que deviam ser seus membros: “Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um”(Jo 17, 21-22). É digno de nota que a unidade que Cristo pede para sua Igreja seja parecida com aquela que Ele possui com o Pai.
Cristo e o Pai têm muitos motivos de união. Possuem uma mesma natureza divina, numericamente idêntica; o primeiro está unido ao segundo, porque é seu Verbo subsistente. Mas o Espírito Santo dá uma razão especial para a união entre as duas pessoas. No mistério trinitário, o Pai e o Filho, comparados entre si, são distintos: o Pai engendra e o Filho é engendrado. Porém, comparados com o Espírito Santo, constituem um mesmo e idêntico princípio espirador. São unos na ação espiradora, da qual precede a terceira pessoa.
E é significativo que se aproprie à terceira pessoa o amor e que Cristo deseje que a união que deve existir entre aqueles que formam seu Corpo místico seja união de amor: “Manifestei-lhes o teu nome, e ainda hei de lho manifestar, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles”( Jo 17, 26). Tudo isso parece significar que a união existente na Igreja, união parecida àquela entre o Pai e o Filho, deve se parecer àquela existente em sua relação com o Espírito Santo. O amor unifica à Igreja e o Espírito Santo a unifica pelo amor. E assim, os membros do Corpo místico se unificam onde se unificam o Pai e o Filho, ou seja, no Espírito Santo. É algo que São Paulo disse claramente quando, depois de nomear os muitos carismas e ofícios existentes na sociedade cristã, escreve: “Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo, judeus ou gregos, escravos ou livres; e todos fomos impregnados do mesmo Espírito”(1Cor 12, 13).
2. Vivifica a igreja
A Igreja é um ser vivo, no sentido autêntico da palavra. É um verdadeiro Corpo místico, e o caráter místico ou sobrenatural se funda em um elemento divino e vivificador.
Todas as sociedades constituídas pelos homens têm vida em certo sentido: movem-se, progridem, aperfeiçoam-se. Porém em realidade, o princípio que as anima está fora delas, é seu fim, e o fim é uma causa extrínseca. O que não condiz com a definição de vida, que é a de movimento que procede de dentro. Nem se diga que a vida das sociedades vem dos indivíduos que as constituem; estes são os que a manifestam, são os membros que dela se aproveitam. A vida dessas sociedades procede do fim, que se assimila mais ou menos, que é mais ou menos operante em cada um dos que a ele se dirigem. E o fim é sempre causa extrínseca. Por essa razão é que não se possa dizer com exatidão que as sociedades sejam organismos vivos.
No entanto, a Igreja sim, o é, porque tem um princípio vivificador intrínseco. O Espírito Santo não somente é fim e meta; é também princípio animador da Igreja, princípio imanente ou interno, embora não formal. O Espírito é um princípio vivo e vivificador. Interveio na aparição visível de Cristo sobre a terra, fecundando ativamente a Maria, e intervém no nascimento da Igreja.
O dia de Pentecostes foi o da proclamação oficial da sociedade estabelecida por Cristo, e esse dia aparecem no nascimento oficial dessa sociedade Maria e o Espírito Santo, como no nascimento de Cristo. A Igreja nasce com seu batismo, como nós nascemos com o nosso; e o batismo da Igreja foi o de Pentecostes. Referindo-se a esse dia disse Jesus a seus discípulos quando se despedia deles momentos antes de subir aos céus: “João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui há poucos dias” (At 1, 5). É certo que Cristo instituiu sua Igreja antes da ascensão, mas a fé de vida da mesma se dá no dia que o Espírito Santo desce sobre Maria e sobre os apóstolos.
Também é o Espírito Santo quem vivifica a cada um dos membros que consta a Igreja. N’Ele somos batizados; Ele nos dá, portanto, o princípio vital, que é a graça divina, e por dá-lo a nós, nos faz filhos de Deus: “Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai!” (Rm 5, 15).
O Espírito é quem dá vida à Igreja e a cada um de seus membros. E a dá não desde fora, como a dá o fim às sociedades terrenas, mas desde dentro, como a dá a alma. Ao dizer que o Espírito Santo engendra e vivifica, não queremos dizer que faça isso sem penetrar dentro dos engendrados e vivificados. Está neles, inabita neles, porque, ao deixar-lhes a graça vivificadora, Ele está com as outras duas pessoas divinas, como veremos mais adiante.
3. Move e governa a igreja
Por último, como a alma move e governa ao corpo, assim o Espírito Santo move à Igreja. Para governar é necessário conhecer e amar, e o Espírito Santo é quem infunde o conhecimento do sobrenatural (a fé) e quem dá o amor divino aos cristãos (a caridade). Ele intervém também, como já dissemos, na designação dos hierarcas (At 20, 28). E quando o Apóstolo assinala os diversos ofícios existentes na Igreja, acrescenta: “Mas um e o mesmo Espírito distribui todos estes dons, repartindo a cada um como lhe apraz” (1Cor 12, 11).
Não é necessário acrescentar mais. Se é Ele quem governa e move aos membros do Corpo místico de Cristo, quem os unifica, quem os vivifica; e se faz tudo isso desde dentro, inabitando em cada membro e em todo Corpo, devemos concluir que desempenha autênticas funções de alma. Já o gênio de Santo Agostinho havia intuído esta verdade quando escreveu resolutamente: “O que é a alma para o corpo do homem, é o Espírito Santo para o Corpo de Cristo que é a Igreja” (Santo Agostinho, Serm. 186 de tempore: PL 38. 1231).
O magistério oficial da Igreja aplicou também ao Espírito Santo a expressão alma da Igreja no sentido que acabamos de explicar. Vejamos, por exemplo, o seguinte texto de Pio XII em sua magistral encíclica Mystici Corporis (Pio XII, encicl. Mystici Corporis n.26):
“A esse Espírito de Cristo, como a princípio invisível, deve atribuir-se também a união de todas as partes do corpo tanto entre si como com sua cabeça, pois que ele está todo na cabeça, todo no corpo e todo em cada um dos membros; conforme as suas funções e deveres, e segundo a maior ou menor saúde espiritual de que gozam, está presente e assiste de diversos modos. É ele que com o hálito de vida celeste em todas as partes do corpo é o princípio de toda a ação vital e verdadeiramente salutar. É ele que, embora resida e opere divinamente em todos os membros, contudo também age nos inferiores por meio dos superiores; ele enfim que cada dia produz na Igreja com sua graça novos incrementos, mas não habita com a graça santificante nos membros totalmente cortados do corpo. Essa presença e ação do Espírito de Jesus Cristo exprimiu-a sucinta e energicamente nosso sapientíssimo predecessor, de imortal memória, Leão XIII, na encíclica “Divinum Illud Munus” por estas palavras: “Baste afirmar que, sendo Cristo cabeça da Igreja, o Espírito Santo é a sua alma”.
De sua parte, o Concílio Vaticano II consagrou uma vez mais esta magnífica doutrina na constituição dogmática sobre a Igreja com as seguintes palavras:
“A cabeça deste corpo é Cristo... E para que sem cessar nos renovemos n’Ele (Ef. 4, 23), deu-nos do Seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os Santos Padres compararem a Sua ação à que o princípio vital, ou alma, desempenha no corpo humano” (Concílio Vaticano II, constituição Lumen gentium c.1 n.7).
Fonte: Fr. Antonio Royo Marín - O Grande desconhecido.