O GRANDE
DESCONHECIDO
O dom de Fortaleza
Na escala ascendente dos dons do Espírito Santo ocupa o segundo lugar o dom de fortaleza, encarregado primeiramente de aperfeiçoar a virtude infusa com o mesmo nome.
1. Natureza
O dom de fortaleza é um hábito sobrenatural que robustece a alma para praticar, por instinto do Espírito Santo, toda classe de virtudes heróicas com invencível confiança em superar os maiores perigos ou dificuldades que possam surgir.
É um hábito sobrenatural, como os demais dons e virtudes infusas.
Que robustece a alma. Precisamente tem por missão elevar suas forças até o plano do divino, como veremos em seguida.
Para praticar por instinto do Espírito Santo. É próprio e específico dos dons. Sob sua ação, a alma não discorre e nem raciocina; opera por um impulso interior, a maneira de instinto, que procede direta ou indiretamente do próprio Espírito Santo, que põe em marcha seus dons.
Toda classe de virtudes heroicas.
Embora a virtude que o dom de fortaleza vem a aperfeiçoar e sobre a qual recai diretamente é a de seu mesmo nome, no entanto, sua influência chega a todas as demais virtudes, cuja prática em grau heroico supõe uma fortaleza de alma verdadeiramente extraordinária, que não poderia proporcionar a virtude por si só, abandonada a si mesma. ( “Quanto mais alta é uma potência – escreve São Tomás-, tanto se estende a maior número de coisas... E, por isso, o dom de fortaleza se estende a todas as dificuldades que podem surgir nas coisas humanas... O ato principal do dom de fortaleza é suportar todas as dificuldades, seja nas paixões, seja nas operações” (In III Sant. D.34 q.3 a.1 q.2 sol.).) Por isso, o dom de fortaleza, que tem de abarcar tantos e tão diversos atos de virtude, necessita, por sua vez, ser governado pelo dom de conselho.
Este dom – adverte o P. Lallemant – é uma disposição habitual que coloca o Espírito Santo na alma e no corpo para fazer e sofrer coisas extraordinárias, para empreender as ações mais difíceis, para se expor aos danos mais terríveis, para superar os trabalhos mais rudes, para suportar as penas mais horrendas; e isso constantemente e de uma maneira heroica.
Com invencível confiança. – é uma das mais claras notas de diferenciação entre a virtude e o dom de fortaleza. Também a virtude – disse São Tomás – tem por missão robustecer a alma para suportar qualquer dificuldade ou perigo; porém, proporcionar-lhe a invencível confiança de que os superará de fato, pertence ao dom de fortaleza. Expondo este ponto concreto, escreve com acerto o P. Arrighini:
Apesar da semelhança da definição, não se deve confundir o dom de fortaleza com a virtude cardeal de mesmo nome. Porque, embora suponham ambos uma certa firmeza e energia de espírito, a virtude da fortaleza tem seus limites na potência humana, que nunca poderá superar; mas o dom de mesmo nome, ao contrário, se apoia na potência divina, segundo a expressão do profeta: “Com meu Deus atravesso a muralha”,( Sl 18, 30.) ou seja, transpassarei todos os obstáculos que possam surgir para alcançar o último fim.
Secundariamente, se a virtude cardeal da fortaleza proporciona a coragem suficiente para afrontar tais obstáculos em geral, não infunde, no entanto, a confiança de afrontá-los e superá-los todos, como faz o dom análogo do Espírito Santo.
Ademais, a virtude da fortaleza, precisamente porque se encontra limitada pela potência humana, não se estende igualmente a toda classe de dificuldades; e por isso se dá o caso de quem supera facilmente as tentações de orgulho, mas não tanto as da carne; ou quem evita certa classe de perigos, mas não outros, etc. O dom de fortaleza, ao contrário, apoiando-se completamente na divina onipotência, se estende a tudo, se basta para tudo e faz exclamar com Jó: “Sê tu mesmo a minha caução junto de ti, e quem ousará bater em minha mão?”.( Jó 17,3.)
Enfim, a virtude da fortaleza nem sempre consegue seu objeto, já que não é próprio do homem superar todos os perigos e vencer em todas as lutas; mas Deus pode muito bem fazer isso, e como o dom de fortaleza nos infunde precisamente a divina potência, poderá o homem com ele superar agilmente todo perigo e inimigo, combater e vencer em toda batalha e repetir com o Apóstolo: “Tudo posso naquele que me conforta”.( Fl 4, 13.)
Por tudo isso se compreende facilmente que o dom de fortaleza seja muito superior à virtude do mesmo nome. Esta traz sua energia da graça até o ponto em que o consente a potência humana; aquele, até o ponto que seja necessário combater e vencer. A primeira faz operar sempre ao modo humano; o segundo, ao modo divino. A fortaleza, como virtude, está sempre unida ao freio e ao juízo da prudência cristã; o dom, por sua vez, empurra a resoluções que, sem ele, pareceriam ser presunções, temeridades, exageros. Precisamente a isso se devem as críticas e os falsos juízos que inclusive os homens sensatos e crentes se permitem fazer a respeito de certos heroísmos de nossos santos. Os julgam segundo a prudência, mesmo cristã se quiser; os julgam de modo que poderiam operar eles mesmos. Mas não pensam que nos santos há outro motor muito mais alto e potente que pode lhes fazer correr e saltar a alturas inalcançáveis com suas pobres pernas. É preciso ter isso muito em conta para julgar com acerto essas aparentes loucuras dos santos.
Há, de fato, uma grande diferença entre as possibilidades da virtude adquirida, a virtude infusa e o dom de fortaleza, ainda que os três levem o mesmo nome.
E assim:
a) A fortaleza natural ou adquirida robustece a alma para suportar os maiores trabalhos e expor-se aos maiores perigos, como vemos em muitos heróis pagãos; mas não sem certo tremor e ansiedade, nascido da clara percepção da fraqueza das próprias forças, únicas com que se conta.
b) A fortaleza infusa se apoia, certamente, no auxílio divino – que é em si onipotente e invencível -, mas conduz em seu exercício ao modo humano, ou seja, segundo a regra da razão iluminada pela fé, que não acaba de tirar totalmente da alma o temor e o tremor.
c) O dom de fortaleza, por sua vez, lhe faz suportar os maiores males e expor-se aos mais inauditos perigos com grande confiança e segurança, enquanto movida pelo Espírito Santo não mediante o ditame da simples prudência, senão pela altíssima direção do dom de conselho, ou seja, por razões inteiramente sobrenaturais e divinas.( Cf. João de São Tomás, In II-II d.18 a.6.)
2. Importância e necessidade
O dom de fortaleza é absolutamente necessário para a perfeição da virtude cardeal de mesmo nome, para a de todas as virtudes infusas e, às vezes, inclusive para a simples permanência no estado de graça. Vejamo-lo em particular.
a) Para a perfeição da virtude cardeal da fortaleza. – A razão fundamental é a que já indicamos mais acima. Embora a virtude da fortaleza tende por si mesma a robustecer a alma contra toda classe de dificuldades e perigos, não acaba de o conseguir totalmente enquanto permaneça submetida ao regime da razão iluminada pela fé (modo humano). É preciso que o dom de fortaleza lhe arranque todo motivo de temor ou indecisão ao submetê-la à moção direta e imediata do Espírito Santo (modo divino), que lhe dá uma confiança e segurança inquebrantáveis. Eis aqui como expõe esta doutrina o P. Arrighini:
O primeiro efeito do dom de fortaleza é o de completar a virtude cardeal do mesmo nome e levá-la até onde ela, por si só, somente com as energias humanas que possa dispor, não chegará nunca. É necessário convir que a tais energias o dom de fortaleza acrescenta outras sobrenaturais que revigoram a vontade, inflamam o sentimento, excitam a fantasia e todas as outras faculdades mais nobres da alma para dispô-las serenamente aos maiores riscos. A experiência demonstra, ademais, que muitas vezes o vigor sobrenatural deste dom se estende também ao corpo, comunicando-lhe uma resistência e energia muito superior à ordinária e que causa estupor a quem não conheça a divina fonte de onde brota.
Em virtude desta fonte, ou seja, da fortaleza infusa pelo Espírito Santo especialmente no sacramento da confirmação, o mundo pôde contemplar, ao longo de vinte séculos, maravilhas incríveis. Viu milhões de almas de ricos e pobres, de doutos e ignorantes, de velhos e jovens, vivendo em todos os estados e condições, sob todas as latitudes, em meio a todos os perigos, fortes, cheios de coragem, constantes na execução de seus deveres cristãos, em superar as tentações do mundo, do demônio e da carne, em combater e vencer toda classe de inimigos e perigos. O próprio Espírito Santo rende pela boca de São Paulo seu próprio testemunho: “Pela fé subjugaram reinos, exerceram a justiça, alcançaram as promessas, obstruíram a boca dos leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, convalesceram da enfermidade, se fizeram fortes na guerra, desbarataram os exércitos estrangeiros”.( Hb 11, 33-34.)
Deste modo conhecemos o que tantos cristãos realizaram com o dom de fortaleza. Vejamos agora o que suportaram e padeceram: “Devolveram vivos às suas mães os filhos mortos. Alguns foram torturados, por recusarem ser libertados, movidos pela esperança de uma ressurreição mais gloriosa. Outros sofreram escárnio e açoites, cadeias e prisões. Foram apedrejados, massacrados, serrados ao meio, mortos a fio de espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra, necessitados de tudo, perseguidos e maltratados, homens de que o mundo não era digno! Refugiaram-se nas solidões das montanhas, nas cavernas e em antros subterrâneos.”.( Hb 11, 35-38) Eis aqui o que todo o mundo pôde ver e admirar.
b) Para a perfeição das demais virtudes infusas. – Uma virtude pode ser chamada perfeita unicamente quando seu ato brota da alma com energia, prontidão e inquebrantável perseverança. Ora, este heroísmo contínuo e jamais desmentido é francamente sobrenatural, e não pode ser explicado satisfatoriamente senão pela atuação do modo sobre-humano dos dons do Espírito Santo, particularmente – neste sentido – do dom de fortaleza.
c) Para permanecer em estado de graça. – Há ocasiões em que o dilema se apresenta inexoravelmente: o heroísmo ou o pecado mortal, um dos dois. Nestes casos – muito mais frequentes do que se acredita – não basta a simples virtude da fortaleza. Precisamente pela violência repentina e inesperada da tentação – cuja aceitação ou repulsa, por outra parte, é questão de um segundo – não é suficiente o modo lento e discursivo das virtudes da prudência e fortaleza; é mister a intervenção rápida dos dons de conselho e de fortaleza. Precisamente – como já vimos – o Doutor Angélico se fundamente neste argumento para proclamar a necessidade dos dons, mesmo para a salvação eterna.
Este dom – escreve a este propósito o P. Lallemant – é extremamente necessário em certas ocasiões nas quais o indivíduo se sente combatido por tentações imperiosas, às quais, se quer resistir, é preciso se decidir por perder os bens, a honra ou a vida. Nestes casos, o Espírito Santo ajuda poderosamente com seu conselho e sua fortaleza à alma fiel que, desconfiando de si mesma e convencida de sua debilidade e de sua insignificância, implora seu auxílio e coloca n’Ele toda sua confiança.
Nestas situações, as graças comuns não são suficientes; é preciso de luzes e auxílios extraordinários. Por isso, o profeta Isaías enumera juntamente os dons de conselho e de fortaleza; o primeiro, para iluminar o espírito, e o outro, para fortalecer o coração.
Insistindo nestas razões e relacionando-as aos três principais inimigos da alma, escreve outro excelente autor.( P. Arrighini, op.cit., p.338-40)
Por tudo quanto acabamos de dizer, se compreende sem esforço que o dom de fortaleza não é necessário unicamente aos heróis, aos mártires ou ao cumprimento de empresas extraordinárias; não menos do que os outros dons do Espírito Santo, é, por vezes, necessário indistintamente a todos os homens para conseguir sua eterna salvação e, também, para viver de modo cristão, combater e vencer nesta grande batalha que é a vida do homem sobre a terra, como nos adverte o próprio Espírito Santo pela boca de Jó: “A vida do homem sobre a terra é uma luta”.( Jó 7, 1.)
A experiência o demonstra. É uma contínua batalha contra tudo e contra todos. Contra nossa própria natureza corrompida, posto que todos – sem excluir o próprio Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu – “Sentimos em nossos membros outra lei que repugna a lei de Deus e nos empurra ao pecado”,( Rm 7, 23) ao que é preciso resistir se não se quer chegar à desoladora conclusão daquele poeta pagão que dizia: “Vejo o melhor e o aprovo, porém, faço o pior”.
a) Batalha contra nossas paixões. – Como um cão de guarda – diz o P. Lacordaire –, espreitam no fundo do coração, dispostas a latir e a morder em qualquer ocasião. Basta uma insignificância: a visão de uma pessoa, a leitura de uma página de romance ou de jornal, uma palavra, um sorriso, um gesto, para despertá -las subitamente; porém, quantas lutas e fadigas para freá-las e submetê-las à reta razão!
b) Batalha contra o mundo. – Contra sua moral corrompida e corruptora, as más companhias, suas inumeráveis seduções, suas modas escandalosas, seus prazeres, suas festas impuras... É impossível – dizia o próprio Platão, embora pagão – viver honestamente por muito tempo em meio ao mundo; até mesmo um anjo acabaria por cair sem um socorro especial do Espírito Santo.
c) Batalha contra o demônio. – É o pior e mais terrível inimigo. A ele não se vê, não se sente, não se sabe de onde vem e nem para onde vai. Mas é certo, como disse São Pedro, que se encontra por todas as partes e se agita ao nosso redor “como um leão que ruge, buscando a quem devorar”.(1Pd 5, 8.) Se o próprio Cristo nosso (Senhor foi tentado três vezes pelo demônio, quem poderá permanecer seguro e tranquilo?
Todos devemos combater continuamente. Contra nós mesmos, contra nossas paixões, contra o mundo, contra o demônio. E ainda restam muitos inimigos: as doenças que atentam contra a saúde, as desventuras, as desgraças, os dissabores que nunca faltam, preocupações, fastios... Com razão dizia Jó que a vida do homem sobre a terra é uma contínua e interminável luta.
Ora, como poderá homem por si só – mesmo que seja auxiliado somente com a virtude cristã da fortaleza, que coloca em exercício unicamente suas energias humanas –, nem mesmo superar, mas sequer afrontar tantos e tão poderosos inimigos? Compreende-se sem esforço que lhe será necessária alguma coisa a mais, uma ajuda divina, uma fortaleza estritamente sobre-humana, que é precisamente a que pode infundir na sua alma e em seus próprios membros o dom do divino Espírito Santo”.
3. Efeitos que produz na alma
São admiráveis os efeitos que a fortaleza produz na alma. Eis aqui os principais:
1) proporciona para a alma uma energia inquebrantável na prática da virtude. – É uma consequência inevitável do modo sobre-humano com o qual, através do dom, se pratica a virtude da fortaleza. A alma não conhece desfalecimentos e nem fraquezas no exercício da virtude. Sente, naturalmente, o peso do dia e do calor, mas com energia sobre-humana segue intrépida adiante apesar de todas as dificuldades.
Ninguém com tanta força e energia soube expor as disposições destas almas como Santa Teresa de Jesus quando escreve estas palavras: “Digo que importa muito, e o todo, uma grande e muito determinada determinação de não parar até chegar a ela (a perfeição), venha o que vier, suceda o que suceder, sofra o que sofrer, murmure quem murmurar, mesmo que não se tenham forças para prosseguir, mesmo que se morra no caminho ou não se suportem os padecimentos que nele há, ainda que o mundo venha abaixo”. Isto é francamente sobre-humano e efeito claríssimo do dom de fortaleza.
O P. Meynard resume muito bem os principais efeitos desta energia sobre-humana da seguinte forma: “Os efeitos do dom de fortaleza são interiores e exteriores. O interior é um vasto campo aberto a todas as generosidades e sacrifícios, que chegam com frequência ao heroísmo; são lutas incessantes e vitoriosas contra as solicitudes de Satanás, contra o amor e a busca de si mesmo, contra a impaciência. No exterior são novos e magníficos triunfos obtidos pelo Espírito Santo contra o erro e o vício; e também nosso pobre corpo, participando dos efeitos de uma fortaleza verdadeiramente divina e entregando-se com ardor, ajudando sobrenaturalmente, às práticas da mortificação ou sofrendo sem desfalecer as dores mais cruéis. O dom de fortaleza é, pois, verdadeiramente o princípio e a fonte de grandes coisas empreendidas ou sofridas por Deus”.
2) Destrói por completo a tibieza no serviço de Deus. – é uma consequência natural desta energia sobre-humana. A tibieza – verdadeira tuberculose da alma, que tem paralisado completamente a tantos no caminho de perfeição – obedece quase sempre à falta de energia e fortaleza na prática da virtude. Resulta-lhes demasiado penoso ter de vencer-se em tantas coisas e manter seu espírito dia após dia, na monotonia do cumprimento exato do dever até em seus mínimos detalhes. A maioria das almas desfalecem de cansaço e renunciam à luta, entregando-se a uma vida rotineira, mecânica e sem horizontes, quando não voltam completamente as costas e abandonam por completo o caminho da virtude. Só o dom de fortaleza, robustecendo em grau sobre-humano as forças da alma, é remédio proporcionado e eficaz para destruir em absoluto e por completo a tibieza no serviço de Deus.
3) Faz da alma intrépida e valente ante toda classe de perigos ou inimigos. – É outra das grandes finalidades ou efeitos do dom de fortaleza, que aparece com características impressionantes na vida dos santos. Os apóstolos, covardes e medrosos, abandonam a seu Mestre na noite da quinta-feira santa – aquele Pedro que negou três vezes depois de ter prometido que morreria por Ele! –, se apresentam ante o povo em uma manhã de Pentecostes com uma inteireza e valentia sobre-humanas. Não temem a ninguém. Não levam em conta em momento algum a proibição de pregar em nome de Jesus imposta pelos chefes da sinagoga, porque “é preciso obedecer a Deus antes que aos homens”.( At 5, 29.)
Todos confessaram a seu Mestre com o martírio. E aquele Pedro que se acovardou de tal modo ante uma rameira, que não vacilou em negar a seu Mestre, morre com incrível inteireza, crucificado de cabeça para baixo, confessando ao Mestre, a quem negou. Tudo isso era perfeitamente sobre-humano, efeito do dom de fortaleza que receberam os apóstolos, com uma plenitude imensa, na manhã de Pentecostes. Depois deles são inumeráveis os exemplos nas vidas dos santos. Podemos apenas conceber as dificuldades e perigos que tiveram de vencer um São Luis, rei da França, para se colocar à frente da cruzada; uma Santa Catarina de Siena para fazer o papa voltar a Roma; uma Santa Joana d’Arc para lutar com as armas contra os inimigos de Deus e de sua pátria, etc.
Eram verdadeiras montanhas de perigos e dificuldades as que se antepunham a eles; mas nada era capaz de lhes deter: posta sua confiança unicamente em Deus, seguiam adiante com energia sobre-humana até cingir suas cabeças com os louros da vitória. Era simplesmente um efeito maravilhoso do dom de fortaleza que dominava seu espírito.
4) Faz suportar as maiores dores com gozo e alegria. – A resignação, por ser uma virtude louvável é, no entanto, imperfeita. Os santos propriamente não a conhecem. Não se resignam diante da dor: eles saem gozosos ao seu encontro. E algumas vezes essa loucura da cruz se manifesta em penitências e macerações incríveis (Maria Madalena, Margarita de Cortona, Enrique Susón, Pedro de Alcântara), e outras em uma paciência heróica, com a qual suportam, com o corpo destroçado, embora com a alma radiante de alegria, os maiores sofrimentos, enfermidades e dores. “Cheguei a não poder sofrer – dizia Santa Teresinha do Menino Jesus –, porque me é doce todo o padecimento”. Linguagem de heroísmo, verdadeiramente sobre-humano, que procede direta e imediatamente da atuação intensíssima do dom de fortaleza! Os exemplos são inumeráveis nas vidas dos santos.
5) Proporciona à alma o “heroísmo do pequeno”, ademais do heroísmo do grande. – Não se necessita maior fortaleza para sofrer repentinamente o martírio, do que para suportar sem o menor desfalecimento esse martírio às alfinetadas, (Alusão à expressão utilizada por Santa Teresa de Lisieux em uma carta de 15 de março de 1889: “... enquanto esperamos, comecemos o nosso martírio. Deixemos Jesus arrancar-nos tudo o que nos é mais caro, e não lhe recusemos nada. Antes de morrer pela espada, morramos às alfinetadas”. Cf. Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face. Obras completas. São Paulo: Loyola, 2001. p. 399 – NT.) que constitui a prática heroica do dever de cada dia, com suas milhares de miudezas e pequenas incidências. Ser obstinadamente fiel ao dever de cada dia, sem permitir jamais a menor infração voluntária, supõe um heroísmo constante, que só pode proporcionar à alma a intensa atuação do dom de fortaleza.
4. Bem-aventuranças e frutos correspondentes
São Tomás de Aquino, seguindo a Santo Agostinho, atribui ao dom de fortaleza a quarta bem-aventurança: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de santidade, porque eles serão saciados”,(Mt 5,6.) porque a fortaleza recai sobre coisas árduas e difíceis; e desejar santificar-se, não de qualquer maneira, mas com verdadeira fome e sede, é extremamente árduo e difícil. E assim vemos, com efeito, que as almas dominadas pelo dom de fortaleza têm um desejo insaciável de fazer e de sofrer grandes coisas por Deus. Já neste mundo começam a receber a recompensa com o crescimento das virtudes e os intensíssimos gozos espirituais com os quais Deus enche frequentemente suas almas.
Os frutos do Espírito Santo que respondem a este dom são a paciência e a longanimidade. O primeiro, para suportar com heroísmo os sofrimentos e males; o segundo, para não desfalecer na prática prolongada do bem.
5. Vícios opostos
Segundo São Gregório, ao dom de fortaleza se opõe o temor desordenado ou timidez, acompanhado muitas vezes de certa frouxidão natural, que provém do amor à própria comodidade, nos impede de empreender grandes coisas pela glória de Deus e nos impulsiona a fugir da abjeção e da dor.
“Não se pode dizer – escreve o P. Lallemant – de quantas omissões nos faz culpáveis o medo. São muito poucas as pessoas que fazem por Deus e pelo próximo tudo quanto poderiam fazer. É preciso imitar aos santos, não temendo mais do que ao pecado, como São João Crisóstomo; enfrentando-nos com toda classe de riscos e perigos, como São Francisco Xavier; desejando afrontas e perseguições, como Santo Inácio.”
6. Meios de fomentar este dom
Ademais dos meios gerais para o fomento dos dons (recolhimento, oração, fidelidade à graça, invocar ao Espírito Santo, etc.), afetam muito de perto ao dom de fortaleza os seguintes, entre muitos:
a) Acostumar-se ao cumprimento exato do dever, apesar de todas as repugnâncias. – Há heroísmos que muitas vezes não estão a nosso alcance com as forças de que dispomos atualmente; mas não há dúvida de que com a simples ajuda da graça ordinária, a qual Deus não nega a ninguém, poderíamos fazer muito mais do que fazemos. Nunca, de maneira alguma, podemos chegar ao heroísmo dos santos até que atue intensamente em nós o dom de fortaleza; porém, esta atuação não costuma ser produzida pelo Espírito Santo para premiar a frouxidão e preguiça voluntárias. A quem faz o que pode, não lhe faltará a ajuda de Deus; mas ninguém pode se queixar de não experimentá-la se nem sequer faz o que pode.
b) Não pedir a Deus que nos tire a cruz, senão unicamente que nos dê força para suportá-la santamente. – O dom de fortaleza se dá aos santos para que possam resistir as grandes cruzes e tribulações pelas quais inevitavelmente tem de passar todo aquele que queira chegar ao cume da santidade. No entanto, se ao experimentar qualquer dor ou sentir o peso de uma cruz que a Providência nos envia, começamos a nos queixar e a pedir a Deus que nos livre dela, por que nos surpreendemos se os dons do Espírito Santo não venham em nossa ajuda? Se ao nos provar em coisas pequenas, Deus nos encontra fracos, como pode seguir adiante com sua ação purificadora? Não nos queixemos das cruzes; peçamos ao Senhor somente que nos dê forças para carregá-la. E esperemos tranquilos, que prontamente soará a hora de Deus. Jamais se deixará vencer em generosidade.
c) Pratiquemos, com valentia ou debilidade, mortificações voluntárias. – Não há nada que fortaleça tanto contra o frio quanto acostumar-se a viver na intempérie. Aquele que abraça voluntariamente a dor, acaba por não tremer ante ela e até mesmo encontra o gosto de experimentá-la. Não quer dizer que devamos nos destroçar a golpes de disciplina ou pratiquemos as grandes macerações de muitos santos: a alma ainda não está preparada para isso. Mas esses mil pequenos detalhes da vida diária: guardar silêncio quando se sente a comichão de falar; não se queixar nunca da inclemência do tempo, da qualidade da comida, etc.; receber com humildade e paciência as gozações, repreensões e contradições, e outras mil pequenas coisas do mesmo tipo, podemos e devemos fazê-las nos violentando um pouco com ajuda da graça ordinária.
Não é preciso se sentir valente ou esforçado para praticar essas coisas. Pode-se levar a cabo mesmo em meio à nossa fraqueza e debilidade. Santa Teresinha do Menino Jesus se alegrava de se sentir tão débil e com tão poucas forças, porque assim colocava toda sua confiança em Deus e tudo esperava d’Ele.
d) Busquemos na Eucaristia a fortaleza para nossas almas. – A Eucaristia é o pão dos anjos, mas também o pão dos fortes. Como robustece e conforta a alma este alimento divino! São João Crisóstomo disse que devemos nos levantar da mesa sagrada com forças de leão para nos lançar a toda classe de obras heroicas pela glória de Deus. É que nela nos colocamos em contato direto e íntimo com Cristo, verdadeiro leão de Judá, (Ap 5, 5.) que se compraz em transfundir em nossas almas algo de sua divina fortaleza.
Fonte: Fr. Antonio Royo Marín - O Grande desconhecido.