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O dom de Entendimento

 

O dom de entendimento – o mesmo que o de ciência, mas em outro aspecto – é o encarregado de aperfeiçoar a virtude teologal da fé. 

 

1. Natureza

 

O dom de entendimento é um hábito sobrenatural, infundido por Deus com a graça santificante, pelo qual a inteligência do homem, sob a ação do Espírito Santo, se faz apta para uma penetrante intuição das coisas reveladas e também das naturais, em função do fim último sobrenatural.

 

Examinemos detalhadamente esta definição para conhecer a natureza íntima deste grande dom.

 

É um hábito sobrenatural infundido por Deus com a graça santificante. – Este é um elemento genérico, comum a todos os dons do Espírito Santo. Não são simples graças atuais transeuntes, senão verdadeiros hábitos infundidos nas potências da alma em estado de graça para auxiliar com facilidade as moções do próprio Espírito Santo.

 

Pelo qual a inteligência do homem. – O dom de entendimento reside, efetivamente, no entendimento especulativo, a quem aperfeiçoa – previamente informado pela virtude da fé – para receber conaturalmente a moção do Espírito Santo, que colocará em ato o hábito donal.

 

Sob a ação iluminadora do Espírito Santo. – Só o divino Espírito pode pôr em movimento os dons de seu mesmo nome. Sem sua divina moção, os hábitos donais permanecem ociosos, já que o homem é absolutamente incapaz de atuá-los nem sequer com ajuda da graça. São instrumentos diretos e imediatos do Espírito Santo, que se constitui, por isso mesmo, em motor e regra dos atos que deles procedem. Daí provém a modalidade divina dos atos donais (única possível por exigência intrínseca da própria natureza dos dons). O homem não pode fazer outra coisa, com ajuda da graça, a não ser se dispor para receber a moção divina – removendo os obstáculos, permanecendo fiel à graça, implorando humildemente essa atuação santificadora, etc. – e auxiliar livre e meritoriamente a moção do divino Espírito quando se produza de fato.

 

Se faz apta para uma penetrante intuição. – É o objeto formal do dom de entendimento, que assinala a diferença específica entre ele e a virtude teologal da fé. Porque a virtude da fé proporciona ao entendimento criado o conhecimento das verdades sobrenaturais de uma maneira imperfeita, ao modo humano – que é o próprio e característico das virtudes infusas quando atuam por si mesmas, como já vimos -, enquanto que o dom de entendimento lhe faz apto para a penetração profunda e intuitiva (modo sobre-humano, divino, suprarracional) dessas mesmas verdades reveladas. (“O dom de entendimento recai sobre os primeiros princípios do conhecimento gratuito (verdades reveladas), porém de modo diverso da a fé. Porque à fé pertence a assistência a eles; e ao dom de entendimento, penetrá-los profundamente”(II-II q.8 a.6 ad 2). ) É, simplesmente, a contemplação infusa da qual falam os místicos (Santa Teresa, São João da Cruz, etc.), que consiste em uma simples e profunda intuição da verdade: “simplex intuitus veritatis”.

 

O dom de entendimento se distingue, por sua vez, dos outros três dons intelectivos (sabedoria, ciência e conselho) em que sua função própria é a penetração profunda nas verdades da fé no plano da simples apreensão (ou seja, sem emitir juízo sobre elas), enquanto que aos outros dons intelectivos corresponde o reto juízo sobre elas. Este juízo, quando se refere às coisas divinas, pertence ao dom de sabedoria; quando se refere às coisas criadas, é próprio do dom de ciência, e quando se trata da aplicação aos casos concretos e singulares, corresponde ao dom de conselho.

 

Das coisas reveladas e também das naturais, em função do fim último sobrenatural. – É o objeto material sobre o qual versa ou recai o dom de entendimento. Abarca tudo quanto pertence a Deus, ao homem e a todas as criaturas com sua origem e seu fim. Este objetivo material se estende, pois, a tudo quanto existe; mas primariamente às verdades da fé, e secundariamente a todas as demais coisas que tenham certa ordem e relação com o fim último sobrenatural.

 

2. Necessidade

 

Por muito que se exercite a fé de modo humano ou discursivo (via ascética), jamais se poderá chegar à sua plena perfeição e desenvolvimento. Para isso é indispensável a influência dos dons de entendimento e de ciência (via mística).

 

A razão é muito simples. O conhecimento humano não é por si só discursivo, por composição e divisão, por análise e síntese, ou por simples intuição da verdade. Desta condição geral do conhecimento humano não escapam as virtudes infusas ao funcionar sob o regime da razão e a nosso modo humano (ascética). Mas sendo o objeto primário da fé o próprio Deus, ou seja, a verdade primeira manifestando-se –“veritas prima in dicendo” (Pode-se considerar a Deus como verdade primeira de três maneiras: in essendo, ou seja, sua própria deidade, ou essência divina; in cognoscendo, ou seja, sua infinita sabedoria, que não pode se enganar, e in discendo, ou seja, a suma veracidade de Deus, que não pode nos enganar.) –, que é simplíssima, o modo discursivo, complexo, de conhecê-la não pode ser mais inadequado e imperfeito.

 

A fé é, em si mesma, um hábito intuitivo e não discursivo; e por isso as verdades penetrantes da fé não podem ser captadas em toda sua limpeza e perfeição (embora sempre no claro-escuro do mistério) mas por um golpe de vista intuitivo e penetrante do dom de entendimento, ou seja, quando a fé tenha se liberado inteiramente de todos os elementos discursivos que a purificam e se converta em uma fé contemplativa. Então se chega à fé pura, tão insistentemente inculcada por São João da Cruz como único meio para a união de nosso entendimento com Deus.

 

Entende-se por fé pura – escreve sobre isto um autor contemporâneo – a adesão do entendimento à verdade revelada, adesão fundada unicamente na autoridade de Deus que revela. Exclui, pois, todo discurso. Desde o momento em que entra em jogo a razão, desaparece a fé pura, porque se mescla com ela um elemento alheio à sua natureza. O raciocínio pode preceder e seguir à fé, mas não pode acompanhá-la sem desnaturalizá -la. Quanto mais haja discurso, menos há adesão à verdade pela autoridade de Deus, e, por conseguinte, há menos fé pura.

 

De onde se deduz até a evidência a necessidade da contemplação mística ou infusa (causada pelo dom de entendimento e os outros dons intelectuais) para chegar à fé pura, sem discurso, de que fala São João da Cruz; e, por conseguinte, a necessidade da mística para a perfeição cristã, sem que seja suficiente a ascética.

 

3. Efeitos

 

São admiráveis os efeitos que produz na alma a atuação do dom de entendimento, todos eles aperfeiçoando a virtude da fé até o grau de incrível intensidade e certeza que chegou a alcançar nos santos. Porque lhes manifesta as verdades reveladas com tal clareza, que, sem lhes desvelar totalmente o mistério, lhes dá uma segurança inquebrantável da verdade de nossa fé, até o ponto de que não lhes cabe na cabeça que possa haver incrédulos ou indecisos em matéria de fé. Isto se vê experimentalmente nas almas místicas, que têm desenvolvido este dom em grau eminente: estariam dispostas a crer o contrário do que veem com seus próprios olhos antes do que duvidar no mais mínimo de alguma das verdades da fé.

 

Este é um dom utilíssimo aos teólogos – São Tomás o possuía em grau extraordinário – para fazer-lhes penetrar no mais fundo das verdades reveladas e deduzir depois, pelo discurso teológico, as conclusões nelas implícitas.

 

O próprio Doutor Angélico assinala seis modos diferentes com que o dom de entendimento nos faz penetrar no mais fundo e misterioso das verdades da fé.

 

1) Nos faz ver a substância das coisas ocultas sob os acidentes. – Em virtude desse instinto divino, os místicos percebem a divina realidade oculta sob os véus eucarísticos. Daí sua obsessão pela Eucaristia que chega a constituir neles um verdadeiro martírio de fome e sede. Em suas visitas ao sacrário não rezam, não meditam, não discorrem; se limitam a contemplar ao divino Prisioneiro do amor com um olhar simples e penetrante, que lhes enche a alma de infinita suavidade e paz: “Lhe vejo e me vê”, como disse ao santo Cura d’Ars aquele simples aldeão possuído pelo divino Espírito.

 

2) Nos desvela o sentido oculto das divinas Escrituras. – é o que realizou o Senhor com seus discípulos de Emaús quando “lhes abriu a inteligência para que entendessem as Escrituras”. (Lc 24, 45.) Todos os místicos experimentaram este fenômeno. Sem discursos, sem estudos, sem ajuda alguma de nenhum elemento humano, o espírito Santo lhes descobre imediatamente e com uma intensidade vivíssima o sentido profundo de alguma sentença da Escritura que lhes submerge em um abismo de Luz. Ali costumam encontrar seu lema, que dá sentido e orientação a toda sua vida: o “cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”, de Santa Teresa; (Sl 88, 1.) o “se alguém é pequenino, que venha a mim”, de Santa Teresinha; (Pv 9, 4.) o “louvor e glória”, de Santa Elisabete da Trindade... (Ef 1, 6) Por isso se lhes caem das mãos os livros escritos pelos homens e acabam por não encontrar gosto além das palavras inspiradas, sobretudo nas que brotaram dos lábios do Verbo encarnado.

 

3) Nos manifesta o significado misterioso das semelhanças e figuras. – E assim São Paulo viu a Cristo na pedra que manava água viva para apagar a sede dos israelitas no deserto: “petra autem erat Christus”. (1Cor 10, 4.) E São João da Cruz nos revela, com pasmosa intuição mística, o sentido moral, anagógico e parabólico de inúmeras semelhanças e figuras do Antigo Testamento que alcançam sua plena realização no Novo, ou na vida misteriosa da graça.

 

4) Nos desvela sob as aparências sensíveis as realidades espirituais. – A liturgia da Igreja está cheia de simbolismos sublimes que escapam em sua maior parte às almas superficiais. Os santos, no entanto, experimentam grande veneração e respeito à “menor cerimônia da Igreja”, que lhes inunda a alma de devoção e ternura. É que o dom de entendimento lhes faz ver, através daqueles simbolismos e aparências sensíveis, as sublimes realidades que encerram.

 

5) Nos faz contemplar os efeitos contidos nas causas. – “Há outros aspecto do dom de entendimento – escreve o P. Philipon – particularmente sensível nos teólogos contemplativos. Depois do duro labor da ciência humana, tudo se ilumina de pronto sob o impulso do Espírito Santo. Um mundo novo aparece em um princípio ou causa universal: Cristo-Sacerdote, único mediador do céu e da terra; ou o mistério da Virgem co-rredentora, levando espiritualmente em seu seio a todos os membros do Corpo místico; ou, por fim, o mistério da identificação dos inumeráveis atributos de Deus em sua soberana simplicidade e a conciliação da unidade de essência com a trindade de pessoas em uma deidade que ultrapassa infinitamente as investigações mais secretas de toda visão criada. Outras tantas verdades que aprofundam o dom de entendimento sem esforço, saborosamente, no gozo beatificante de uma “vida eterna começada na terra” à luz mesma de Deus”.

 

6) Nos faz ver, finalmente, as causas através dos efeitos. – “Em sentido inverso –continua o mesmo autor –, o dom de entendimento revela a Deus e a sua onipotente causalidade em seus efeitos, sem recorrer aos longos procedimentos discursivos do pensamento humano abandonado a suas próprias forças, mas por uma simples visão comparativa e por intuição “à maneira de Deus”. Nos indícios mais imperceptíveis, nos menores acontecimentos de sua vida, uma alma atenta ao Espírito Santo descobre de um só traço todo o plano da Providência sobre ela. Sem raciocínio dialético sobre as causas, a simples vista dos efeitos da justiça ou da misericórdia de Deus lhe faz entrever todo o mistério da predestinação divina, o “excessivo amor” (Ef 2,4.) com que persegue às almas para uni-las à beatificante Trindade. Através de tudo, Deus conduz a Deus”.

 

Tais são os principais efeitos que a atuação do dom de entendimento produz na alma. Não se rompem jamais completamente nesta vida os véus do mistério – “agora vemos como por um espelho, confusamente” (1Cor 13, 12.) –; Mas suas profundidades insondáveis são penetradas pela alma com uma vivência tão clara e entranhável, que se aproxima muito à visão intuitiva. É São Tomás, modelo de ponderação e serenidade em tudo quanto diz, quem escreveu estas assombrosas palavras: “Nesta mesma vida, purificado o olho do espírito pelo dom de entendimento, pode-se ver a Deus em certo modo”.

 

Ao chegar a estas alturas, a influência da fé se estende a todos os movimentos da alma, iluminando todos seus passos e fazendo-a ver todas as coisas através do prisma sobrenatural. Estas almas parece que perdem o instinto do humano para se conduzirem em tudo pelo instinto do divino. Sua maneira de ser, de pensar, de falar, de reagir ante os menores acontecimentos da vida própria ou alheia, desconcertam ao mundo, incapaz de compreendê-las. Pode-se dizer que padecem de estrabismo intelectual para ver todas as coisas ao contrário de como as vê o mundo. Em realidade, a visão torcida é a deste último. Aqueles tiveram a felicidade inefável de que o Espírito Santo, pelo dom de entendimento, lhes dera o verdadeiro sentido de Cristo – “Nos autem sensum Christi habemus” (1Cor 2, 16.) –, que lhes faz ver todas as coisas através do prisma da fé: “O justo vive da fé”. (Rm 1, 17.)

 

4. Bem-aventuranças e frutos que derivam deste dom

 

Ao dom de entendimento se refere a sexta bem-aventurança: a dos limpos de coração. (Mt 5, 8.)

 

Nesta bem-aventurança, como nas demais, se indicam duas coisas: uma, a modo de disposição ou de mérito (a limpeza do coração), e outra, a modo de prêmio (o ver a Deus); e nos dois sentidos pertence ao dom de entendimento. Porque há duas classes de limpeza: a do coração, pela qual de expelem todos os pecados e afetos desordenados, realizada pelas virtudes e dons pertencentes à parte apetitiva; e a da mente, depurando-a dos fantasmas corporais e dos erros contra a fé, e esta é própria do dom de entendimento. E enquanto à visão de Deus é também dupla: uma, perfeita, pela qual se vê claramente a própria essência de Deus, e esta é própria do céu; e outra, imperfeita, que é própria do dom de entendimento, pela qual, ainda que não vejamos direta e claramente que coisa seja Deus, vemos que coisa não é; e quanto mais perfeitamente conhecemos a Deus nesta vida, tanto melhor entendemos que excede tudo quanto o entendimento pode compreender.

 

Enquanto aos frutos do Espírito Santo – que são atos de virtudes procedentes dos dons -, pertencem ao dom de entendimento, como fruto próprio, a fides, ou seja, a certeza inquebrantável da fé; e, como fruto último e perfeito, o gaudium (gozo espiritual), que reside na vontade.

 

5. Vícios contrários

 

São Tomás dedica uma questão inteira ao estudo destes vícios. São principalmente dois: a cegueira espiritual e o embotamento do senso espiritual. A primeira é a privação total da visão (cegueira); a segunda é uma debilitação notável da mesma (miopia). E as duas procedem dos pecados carnais (luxúria e gula), enquanto não haja nada que impeça tantos voos do entendimento – ainda naturalmente falando – como a veemente aplicação às coisas corporais que lhe são contrárias. Por isso a luxúria – que leva consigo uma mais forte aplicação ao carnal – produz a cegueira espiritual, que exclui quase por completo o conhecimento e apreço dos bens espirituais; e a gula produz o embotamento do senso espiritual, que debilita o homem para esse conhecimento e apreço, de maneira semelhante a um objeto agudo e pontudo – um prego por exemplo – não pode penetrar com facilidade na parede se tiver a ponta obtusa.

 

Esta cegueira da mente – escreve um autor contemporâneo – é a que padecem todas as almas tíbias; porque têm em si o dom de entendimento; mas, engolfada sua mente nas coisas daqui de baixo, faltas de recolhimento interior e espírito de oração, derramadas continuamente pelos canos dos sentidos, sem uma consideração atenta e constante das verdades divinas, não chegam jamais a descobrir as claridades excelsas que em sua obscuridade encerram. Por isso as vemos frequentemente tão enganadas ao falar de coisas espirituais, das finezas do amor divino, dos primores da vida mística, das alturas da santidade, que talvez cifram em algumas obras externas cobertas com a sarna de suas visões humanas, tendo por exagero e excentricidade as delicadezas que o Espírito Santo pede às almas.

 

Estes são os que querem ir pelo caminho das vacas, como se diz vulgarmente; bem afincados na terra, para que o Espírito Santo não possa levantá-los pelos ares com seu sopro divino; entretidos em fazer montinhos de areia, com os quais pretendem escalar o céu. Padecem essa cegueira espiritual, que lhes impede de ver a santidade infinita de Deus, as maravilhas que sua graça opera nas almas, os heroísmos de abnegação que pede para corresponder a seu amor imenso, as loucuras de amor por aquele a quem o amor conduziu à loucura da cruz. Dos pecados veniais fazem pouco, e só percebem os mais notáveis, omitindo-se em relação às imperfeições. São cegos, porque não abrem mão dessa lâmpada que ilumina um lugar tenebroso (2Pd 1, 19.), e muitas vezes com presunção pretendem guiar a outros cegos.( Mt 15, 14.)

 

Quem padece, pois, desta cegueira ou miopia em sua vista interior, que lhe impede de penetrar as coisas da fé até o mais mínimo, não carece de culpa, pela negligência e descuido com que as busca, pelo fastio que lhe causam as coisas espirituais, amando mais as que lhes entram pelos sentidos.

 

6. Meios de fomentar este dom

 

Como já dissemos repetidas vezes, a atuação dos dons do Espírito Santo depende inteiramente do próprio divino Espírito. Mas a alma pode fazer muito de sua parte dispondo-se, com ajuda da graça, para essa divina atuação. (“...embora nesta obra que faz o Senhor não possamos fazer nada, podemos fazer muito, dispondo-nos para que Sua Majestade nos faça esta mercê.”(Santa Teresa, Moradas quintas 2,1). Fala a Santa da oração contemplativa de união, efeito dos dons de entendimento e sabedoria.) Eis aqui os principais meios:

 

a) Avivar a fé, com ajuda da graça ordinária. – É sabido que as virtudes infusas se aperfeiçoam e desenvolvem com a prática cada vez mais intensa das mesmas. E é verdade que, sem sair de sua atuação ao modo humano (via ascética), não poderão jamais alcançar sua plena perfeição e desenvolvimento. Fazer tudo quanto seja de nossa parte no que se refere os procedimentos ascéticos ao nosso alcance é a disposição excelente para que o Espírito Santo venha a aperfeiçoar as virtudes infusas com os dons.

 

É de fato que, segundo sua providência ordinária, Deus dá suas graças a quem melhor se dispõe para recebê-las. (O diz maravilhosamente de muitas maneiras Santa Teresa de Jesus: “como não falhe por não vos terdes disposto, não tenhais medo que se perca o vosso trabalho”(Camino, 18,3). “Que bela disposição esta (o exercício das virtudes) para que lhes faça toda a mercê.”(Moradas terceras 1,5) Oh! valha-me Deus! que palavras tão verdadeiras, e como as entende a alma, que nesta oração o vê por si mesma! E como o entenderíamos todas, se não fosse por nossa culpa...! Mas, como nós faltamos em nos dispor ... não nos vemos neste espelho que contemplamos, onde está esculpida a nossa imagem”(Moradas séptimas 2,8))

 

b) Perfeita pureza de alma e corpo. - Ao dom de entendimento, como acabamos de ver, corresponde a sexta bem-aventurança, que se refere aos “limpos de coração”. Só com a perfeita limpeza de alma e corpo a alma se faz capaz de ver a Deus: nesta vida, no claro-escuro da fé iluminada profundamente pelo dom de entendimento, e na outra, com a clara visão da glória. A impureza é incompatível com ambas as coisas.

 

c) Recolhimento interior.O Espírito Santo é amigo do recolhimento e da solidão. Somente ali fala no silêncio das almas: “As levarei à solidão e lhes falarei ao coração”. (Os 2, 14.) A alma amiga da dissipação e do balbucio não perceberá jamais a voz de Deus em seu interior. É preciso esvaziar-se de todas as coisas criadas, retirar-se à cela do coração para viver ali com o divino Hóspede até conseguir gradualmente não perder nunca a presença de Deus mesmo em meio dos afazeres mais absorventes. Quando a alma tenha feito de sua parte tudo quanto possa para se recolher e se isolar de tudo o que não é necessário, o Espírito Santo fará o demais.

 

d) Fidelidade à graça. – A alma deve estar sempre atenta para não negar ao Espírito Santo qualquer sacrifício que lhe peça: “Se hoje ouvireis sua voz, não endureçais vossos corações”. (Sl 94, 8.) Não somente deve evitar qualquer falta plenamente voluntária, que, por pequena que fosse, contristaria ao Espírito Santo, segundo a misteriosa expressão de São Paulo: “Não contristeis o Espírito Santo de Deus”,( Ef 4, 30.) mas deve cooperar positivamente com todas suas divinas moções até poder dizer com Cristo: “Faço sempre o que é do seu agrado”(Jo 8, 29). Não importa que os sacrifícios que nos pede muitas vezes pareçam superar as nossas forças. Com a graça de Deus, tudo se pode – tudo posso naquele que me conforta”(Fl 4, 13.) – e sempre nos resta o recurso à oração para pedir ao Senhor antecipadamente isto mesmo que quer que lhe demos: “Dai-me, Senhor, o que mandas e manda-me o que quiseres” (Santo Agostinho, Confissões 1.10 c.29.). Em todo caso, para evitar inquietações e tormentos nesta fidelidade positiva à graça, contemos sempre com o controle e os conselhos de um sábio e experimentado diretor espiritual.

 

e) Invocar ao Espírito Santo. – Porém nenhum destes meios poderemos praticar sem a ajuda da graça proveniente do próprio Espírito Santo. Por isso devemos lhe invocar com frequência e com o máximo fervor possível, recordando-lhe a nosso Senhor sua promessa de no-lo enviar (Jo 14, 16-17). A sequência da festa de Pentecostes (“Veni Sancte Spiritus”), o hino de terça (“Veni Creatur Spiritu”) e a oração litúrgica desta festa (“Deus, qui corda fidelium...”) deveriam ser, depois do Pai-nosso e Ave-Maria, as orações prediletas das almas interiores.

 

Repitamo-las muitas vezes até obter aquele recta sapere que nos há de dar o Espírito Santo. E, imitando os apóstolos quando se retiraram ao cenáculo para esperar a vinda do Paráclito, associemos a nossas súplicas as do Coração Imaculado de Maria – “Cum Maria matre Iesu” (At 1, 14.) –, a Virgem fidelíssima (A preciosa invocação da litania da virgem: Virgo Fidelis, ora pro nobis, deveria ser uma das jaculatórias prediletas das almas sedentas de Deus. O divino Espírito se comunicará a eles na medida de sua fidelidade à graça; e a esta fidelidade devemos obter por meio de Maria, Mediadora universal de todas as graças por vontade do próprio Deus.) e celestial esposa do Espírito Santo.

 

Fonte: Fr. Antonio Royo Marín - O Grande desconhecido.