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A fidelidade ao Espírito Santo

 

Vimos de que maneira o Espírito Santo – juntamente com o Pai e o Filho – é o doce Hóspede de nossa alma: dulcis hospes animae. E vimos também de que maneira atua continuamente em nós, seja movendo o hábito das virtudes infusas ao modo humano nos começos da vida espiritual (etapa ascética) ou o dos dons ao modo divino até levar à alma fiel aos cumes da perfeição cristã (etapa mística).

 

Mas não podemos pensar que o Espírito Santo não exige nada da alma em troca de sua divina liberdade e liberalidade. Exige dela uma contínua fidelidade a suas divinas moções, sob pena de suspender ou diminuir sua ação, deixando-a estancada a meio caminho, com grande perigo inclusive de sua própria salvação eterna.

 

Por isso cremos que nosso pobre estudo, direcionado a dar a conhecer a pessoa e a ação do divino Espírito em nossas almas, ficaria incompletíssimo – aparte de muitas outras falhas e imperfeições – em especial inteiramente dedicado à primorosa fidelidade com que a alma deve corresponder incessantemente à ação santificadora do Espírito Santo, que quer levá-la, em contínua progressão ascendente, até os cumes mais elevados da união íntima com Deus.

 

Assim, veremos a natureza da fidelidade ao Espírito Santo, sua importância e necessidade, sua eficácia santificadora e o modo concreto de praticá-la. (Cf. nossa Teología de la perfección cristiana (BAC, Madrid, 51968) n. 635-638; P. Lallemant, op.cit. princ.4 c.i e 2; P. Plus, La fidelidad a la gracia (Barcelona 1951); Cristo en nossotros (Barcelona 1943) 1.5.)

 

1. Natureza

 

A fidelidade, em geral, não é outra coisa senão a lealdade, a adesão cumprida, a observância exata da fé que um deve ao outro. No direito feudal era a obrigação que tinha o vassalo de se apresentar a seu senhor, render-lhe homenagem e ficar inteiramente obrigado a lhe obedecer em tudo, sem lhe opor jamais a menor resistência. Tudo isso tem aplicação – e em grau máximo – em se tratando da fidelidade ao Espírito Santo, que não é outra coisa que a lealdade ou docilidade em seguir as inspirações do Espírito Santo em qualquer forma que se nos manifestem.

 

Chamamos inspirações – explica São Francisco de Sales – a todos os atrativos, movimentos, censuras e remorsos interiores, luzes e conhecimentos que Deus opera em nós, prevenindo nosso coração com suas bendições,( Sl 20, 4.) por seu cuidado e amor paternal, a fim de nos despertar, exercitar, empurrar e atrair para as santas virtudes, ao amor celestial, às boas resoluções; em uma palavra, a tudo quanto nos encaminha a nosso bem eterno.

 

De várias maneiras se produzem inspirações divinas. Os próprios pecadores as recebem, impulsionando-lhes à conversão; mas, para o justo, em cuja alma habita o Espírito Santo, é perfeitamente conatural recebê-las a cada momento. O Espírito Santo, mediante elas, ilumina nossa mente para que possamos ver o que se deve fazer e move nossa vontade para que possamos e queiramos cumpri-lo, segundo aquelas palavras do Apóstolo: “Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar”. (Fp 2, 13.)

 

Porque é evidente que o Espírito Santo age sempre segundo seu beneplácito. Inspira e age na alma do justo quando quer e como quer: “Spiritus ubi vult spirat”. (Jo 3, 8.) Algumas vezes somente ilumina (p.ex., nos casos duvidosos para resolver a dúvida); outras somente move (p. ex. para que a alma realize aquela boa ação que ela mesma estava pensando); outras, por fim – e é o mais frequente –, ilumina e move ao mesmo tempo.

 

Às vezes a inspiração se produz em meio ao trabalho, como de improviso, quando a alma estava inteiramente distraída e alheia ao objeto da inspiração. Outras muitas se produz na oração, na sagrada comunhão, em momentos de recolhimento e fervor. O Espírito Santo rege e governa ao filho adotivo de Deus tanto nas coisas ordinárias da vida cotidiana como nos assuntos de grande importância. Santo Antonio Abade entrou em uma igreja e, ao ouvir que o predicador repetia as palavras do Evangelho: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!”,( Mt 19, 21.) foi imediatamente à sua casa, vendeu tudo quanto possuía e se retirou ao deserto.

 

O Espírito Santo nem sempre nos inspira diretamente por si mesmo. Às vezes se vale do anjo da guarda, de um pregador, de um bom livro, de um amigo; mas sempre é Ele, em última instância, o primeiro autor daquela inspiração.

 

2. Importância e necessidade

 

Nunca se insistirá o bastante na excepcional importância e absoluta necessidade da fidelidade às inspirações do Espírito Santo para avançar no caminho da perfeição cristã. Em certo sentido, é este o problema fundamental da vida cristã, já que disto depende o progresso incessante até chegar ao cume da montanha da perfeição ou o ficar paralisados em seu próprio sopé. A preocupação quase única da alma deve ser a de chegar à mais primorosa e constante fidelidade à graça. Sem isso, todos os demais procedimentos e métodos que intente estão irremediavelmente condenados ao fracasso. A razão profundamente teológica disto deve ser buscada na economia da graça atual, que guarda estreita relação com o grau de nossa fidelidade.

 

Com efeito, como já dissemos mais acima, a prévia moção da graça atual é absolutamente necessária para poder realizar qualquer ato saudável. É na ordem sobrenatural o que a prévia moção divina na ordem puramente natural: algo absolutamente indispensável para que um ser em potência possa realizar seu ato. Sem ela, nos seria tão impossível fazer o mais pequeno ato sobrenatural – mesmo possuindo a graça, as virtudes e os dons do Espírito Santo – como respirar sem ar na ordem natural. A graça atual é como o ar divino, que o Espírito santo envia a nossas almas para fazê-las respirar e viver no plano sobrenatural.

 

A graça atual – diz o P. Garrigou-Lagrange – nos é constantemente oferecida para nos ajudar no cumprimento do dever de cada momento, assim como o ar que entra incessantemente em nossos pulmões para nos permitir reparar o sangue. E assim como temos que respirar para introduzir nos pulmões esse ar que renova nosso sangue, do mesmo modo devemos desejar positivamente e com docilidade receber a graça, que regenera nossas energias espirituais para caminhar em busca de Deus.

 

Quem não respira, acaba por morrer de asfixia; quem não recebe com docilidade a graça, terminará por morrer de asfixia espiritual. Por isso disse São Paulo: “Vos exortamos a não receber em vão a graça de Deus”.( 2Cor 6, 1.) É preciso responder a essa graça e cooperar generosamente com ela. É esta uma verdade elementar que, praticada sem desfalecimento, nos ergueria bastante até a santidade.

 

Porém, há mais todavia. Na economia ordinária e normal da graça, a providência de Deus tem subordinadas as graças posteriores que deve conhecer uma alma para o bom uso das anteriores. Uma simples infidelidade à graça pode cortar o rosário das que Deus vinha concedendo sucessivamente, ocasionando-nos uma perda irreparável. No céu veremos como a imensa maioria das santidades frustradas – melhor dizendo, absolutamente todas elas – se malograram por uma série de infidelidades à graça, sejam veniais em si mesmas, mas plenamente voluntárias, que paralisaram a ação do Espírito Santo, impedindo-lhe de levar a alma até o cume da perfeição.

 

A primeira graça de iluminação – continua o padre Garrigou – que em nós produz eficazmente um bom pensamento, é suficiente com relação ao generoso consentimento voluntário, no sentido de que nos dá não este ato, mas a possibilidade de realizá-lo. Só que, se resistimos a este bom pensamento, nos privamos da graça atual, que nos inclinaria eficazmente ao consentimento dela.

 

A resistência produz sobre a graça o mesmo efeito que o granizo sobre uma árvore em flor que prometia frutos abundantes: as flores ficam destroçadas e o fruto não chegará à sazão. A graça eficaz se nos brinda na graça suficiente como o fruto na flor; claro que é preciso que a flor não se destrua para que dê o fruto. Se não opusermos resistência à graça suficiente, se nos brindará a graça atual eficaz, e com ajuda vamos progredindo, com o passo seguro, pelo caminho da salvação. A graça suficiente faz com que não tenhamos desculpas diante de Deus, e a eficaz impede que nos gloriemos em nós mesmos; com seu auxílio vamos adiante humildemente e com generosidade.

 

A fidelidade à graça, ou seja, as moções divinas do Espírito Santo, é pois, não somente de grande importância, senão absolutamente necessária e indispensável para progredir nos caminhos da união com Deus. A alma e seu diretor espiritual não deveriam ter outra obsessão que a de chegar a uma contínua, amorosa e preciosa fidelidade à graça.

 

Em realidade – escreve a este respeito o P. Plus –, A história de nossa vida, não se resumirá muitas vezes na história de nossas perpétuas infidelidades? Deus tem sobre nós planos magníficos, mas lhe obrigamos a modificá-los continuamente. Tal graça que se dispunha a nos conceder há de suspendê-la porque nos descuidamos em merecê-la. E assim a correção se acrescenta à correção. Que resta do projeto primitivo?

 

Deus vive em si mesmo, de antemão, eternamente, aquilo que nos quer fazer viver no tempo. A ideia que tem de nós, sua eterna vontade sobre nós, constitui nossa história ideal: o grande poema possível de nossa vida. Nosso Pai amoroso não deixa de inspirar a nossa consciência esse belo poema. Cada vibração imperceptível é um dom, um talento que hei de receber, um impulso que hei de seguir, um começo que hei de terminar e fazer valer. E vós sabeis, oh Pai!, as resistências, as incompreensões, as perversões. A cada resistência ou incompreensão, vossa providência substitui com outro poema (poema diminuído, mas ainda assim, magnífico) a aqueles e a todos os demais cuja a inspiração deixei de seguir.

 

Há almas que não chegam à santidade porque um dia, em um dado instante, não souberam corresponder plenamente a uma graça divina. Nosso porvir depende às vezes de dois ou três sins ou de dois ou três nãos que convinham dizer e não disseram, e dos quais pendiam generosidades ou desfalecimentos sem número.

 

A que alturas não chegaríamos se nos resolvêssemos caminhar sempre ao mesmo passo que a magnificência divina! Nossa covardia prefere passos de anão.

 

Quem sabe a que medianias nos condenamos, e talvez a coisas piores, por não ter respondido atentamente aos chamamentos do alto? Ouvimos as estranhas palavras de Jesus Cristo a Santa Margarida Maria de Alcoque sobre o perigo de não ser fiel. E esta não menos urgente: ‘Tem muito cuidado de não permitir que se extinga jamais esta lâmpada (seu coração), pois se uma vez se apaga, não voltarás a ter fogo para acendê-la’.

 

Não tenhas falso temor, mas tampouco vã presunção. Não se deve jogar com a graça de Deus. Esta passa, e se é verdade que volta muitas vezes, ela não volta sempre. Se volta, e supomos que vem com tanta força como a primeira vez, encontra o coração já enfraquecido pela primeira covardia; por conseguinte, menos armado para corresponder.

 

E logo, Deus fica menos convidado a nos dar outra graça. Para que? Para que sofra a mesma sorte que a anterior? É um testemunho perigoso no tribunal de Deus essa graça desaproveitada, essa inspiração menosprezada, esse inqualificável “deixar para depois”. Os santos tremiam diante da ideia do mal que causa a infidelidade às divinas inspirações”.

 

3. Eficácia santificadora

 

Deixando aparte os sacramentos, que, dignamente recebidos, são o manancial e a fonte da graça, e cuja eficácia santificadora, em igualdade de condições, é muito superior à de toda outra prática religiosa, é indubitável que, entre as que dependem da atividade do homem, ocupa o primeiro lugar a fidelidade perfeita às inspirações do Espírito Santo.

 

Escutemos sobre isto o Mons. Saudreau: Como não há de produzir coisas admiráveis em seu coração dócil esta graça divina? Deus, infinitamente bom e santo, nada deseja tanto quanto comunicar seus bens, fazer participantes a seus filhos de santidade e de felicidade. Constantemente seu olhar paternal está posto neles, esperando sua boa vontade e suplicando seu consentimento para cumulá-los de riquezas. Sua sabedoria sabe muito bem por quais caminhos os há de levar para fazê-los santos e felizes.

 

Que garantia, pois, a dos que sempre e em tudo se deixam guiar por um guia tão Sábio e tão amante? Nestes, a onda de suas graças vai sempre crescendo; ao princípio, como um orvalho intermitente; depois, como um riacho; logo, como uma corrente, enfim, como um rio caudaloso e principal. E ao mesmo tempo que as graças são mais abundantes, são também mais puras e intensas.

 

É muito útil realizar seriamente por algum tempo a prova de não negar ao Espírito Santo nenhuma coisa que se veja que claramente nos pede. Um antigo autor afirma terminantemente que três meses de fidelidade perfeita à todas as inspirações do Espírito Santo colocam a alma em um estado que lhe conduzirá com toda segurança ao cume da perfeição. E acrescenta: “Que alguém faça a prova, durante três meses, de não recusar absolutamente nada a Deus, e verá que profunda mudança experimentará em sua vida”.

 

“Toda nossa perfeição – escreve o P. Lallemant – depende desta fidelidade, e pode se dizer que o resumo e compêndio da vida espiritual consiste em observar com atenção os movimentos do Espírito de Deus na nossa alma e em reafirmar nossa vontade na resolução de segui-los docilmente, empregando ao efeito todos os exercícios da oração, a leitura, os sacramentos e a prática das virtudes e boas obras...

 

O fim a que devemos aspirar, depois de termos nos exercitado por um longo tempo na pureza de coração, é o de ser de tal maneira possuídos e governados pelo Espírito Santo, que seja somente Ele quem conduza e governe todas nossas potências e sentidos e quem regule todos os nossos movimentos interiores e exteriores, abandonando-nos inteiramente a nós mesmos pela renúncia espiritual de nossa vontade e próprias satisfações. Assim, já não viveremos em nós mesmos, mas Jesus Cristo, por uma fiel correspondência às operações de seu divino Espírito e por uma perfeita submissão de todas nossas rebeldias ao poder da graça...

 

A causa de que se chegue tão tarde ou não se chegue nunca à perfeição é que não se segue em quase tudo mais do que à natureza e ao sentido humano. Não se segue nunca, ou quase nunca, ao Espírito Santo, de quem é próprio esclarecer, dirigir e inflamar...

 

Pode-se dizer com verdade que não há senão pouquíssimas pessoas que se mantenham constantemente nos caminhos de Deus. Muitos se desviam sem cessar. O Espírito Santo lhes chama com suas inspirações; mas, como são indóceis, cheios de si mesmos, apegados a seus sentimentos, assoberbados de sua própria sabedoria, não se deixam facilmente conduzir, não entram senão raras vezes no caminho e desígnios de Deus e raramente permanecem nele, voltando a suas concepções e ideias, que lhes fazem voltar atrás.

 

Assim avançam muito pouco, e a morte lhes surpreende não tendo dado mais do que vinte passos, quando poderiam caminhar dez mil se tivessem se abandonado à direção do Espírito Santo”.

 

4. Modos de praticá-la

 

A inspiração do Espírito Santo é para o ato de virtude o que a tentação é para o ato do pecado. Por uma simples escada desce o homem ao pecado: tentação, deleitação e consentimento. O Espírito Santo propõe o ato de virtude ao entendimento e excita a vontade; o justo, finalmente, o aprova e o cumpre.

 

Três são, por nossa parte, as coisas necessárias para a perfeita fidelidade à graça: a atenção às inspirações do Espírito Santo, a discrição para saber distingui-las dos movimentos da natureza ou do demônio e a docilidade para levá-las a cabo.

 

Expliquemos um pouco cada uma delas.

 

1) Atenção às inspirações. – Consideremos com frequência que o Espírito Santo habita dentro de nós mesmos.(1Cor 6, 19) Se nos desprendêssemos de todas as coisas da terra e nos recolhêssemos no silêncio e paz em nosso interior, ouviríamos, sem dúvida, sua doce voz e as insinuações de seu amor. Não se trata de uma graça extraordinária, senão de algo normal e ordinário em uma vida cristã seriamente vivida. Por que, pois, não ouvimos sua voz? Por três razões principais:

 

a) Por nossa habitual dissipação. – Deus está dentro, e nós vivemos fora. “O homem interior se recolhe muito rápido, porque nunca se derrama totalmente ao exterior”. O próprio Espírito Santo nos recorda disso expressamente: “A levarei à solidão e ali falarei ao coração”.(Os 2, 14.)

 

Eis aqui um magnífico texto do padre Plus insistindo nestas ideias:

 

Deus é discreto, mas não o é nem por timidez, nem por impotência. Poderia se impor; se não o faz, é por delicadeza e para deixar para nossa iniciativa mais campo de ação.

 

Mas não se pode imaginar que o Senhor não seja um grande Senhor; não pode ser que não tenha muito vivo o sentimento de sua suprema dignidade.

 

Suponhamos que onde quer entrar e agir não haja mais do que loucas preocupações, o ruído de matracas, agitações, redemoinhos, potros selvagens, frenesi de velocidade, deslocamentos incessantes, busca inconsiderada de ninharias que se agitam; para que vá a pedir-lhe audiência!

 

Deus não se comunica com o ruído. Quando descobre o interior de uma alma obstruída por mil coisas, não tem nenhuma pressa em se entregar, em se alojar em meio a essas mil trivialidades. Tem seu amor próprio. Não gosta de se parear com quinquilharias. Às vezes, não obstante, o toma a seu encargo e, apesar da desatenção, impõe a atenção. Não se queria lhe receber: entrou e fala. Mas em geral, não procede assim. Evita uma presença que, claramente, não se buscava.

 

Se a alma está em graça, é evidente que Ele reside nela, mas não se lhe manifesta. Já que a alma não se digna em adverti-lo, Ele permanece inadvertido; posto que há substitutivos que se preferem a Ele, o bem supremo evita se fazer preferir apesar de tudo. Quanto mais a alma se derrama nas coisas, tanto mais insiste Ele.

 

Se, pelo contrário, observa que alguém se desembaraça dessas ninharias e busca o silêncio, Deus se aproxima. Isto lhe entusiasma. Pode se manifestar, pois sabe que a alma lhe ouvirá. Nem sempre se manifestará, nem será o mais comum se mostrar de uma maneira patente; mas a alma, seguramente, se sentirá obscuramente convidada a subir...

 

Outra razão pela qual a alma que aspira à fidelidade deve viver recolhida, é que o Espírito Santo sopra não somente onde quer, senão quando quer. A característica própria dos chamados interiores, observa Santo Inácio, é manifestar-se para a alma sem prévio aviso, quase não se deixando ouvir. Em qualquer momento, por conseguinte, é necessário estar atento; não, certamente, com atenção ansiosa, mas inteligente, em harmonia perfeita com a sábia atividade de uma alma entregue por completo ao seu dever.

 

Por desgraça, “a maioria das pessoas vivem na janela”, como dizia Foissard; preocupados unicamente com a balbúrdia, pelo ir e vir das ruas, não dirigem um só olhar àquele que, em silêncio, espera, no interior da habitação, com muita frequência em vão, para poder iniciar uma conversação.

 

E um pouco mais adiante acrescenta o mesmo autor:

 

Como alcançar, na prática, o recolhimento?

 

Em primeiro lugar, deve-se destinar um lugar fixo para um tempo determinado de oração: não se chega à oração espontânea, habitual, de todas as horas, a não ser exercitando-se na oração determinada, prescrita, em tempos pré-fixados. Cabe a cada um consultar sua graça particular, as circunstâncias em que lhe colocam suas obrigações e os avisos de seu diretor espiritual.

 

Uma vez determinados os exercícios de oração, falta treinar-se no recolhimento habitual, em um certo silêncio exterior, de ação ou de palavra e, sobretudo, no silêncio interior.

 

Alguns princípios simples resumem tudo:

 

Não falar mais do que quando a palavra seja melhor do que o silêncio.

 

Evitar a febre, a pressa natural. O mais rápido, quando se tem pressa, é não se apressar. Como dizia um grande cirurgião ao ir praticar uma operação urgente: “Senhores, vamos devagar; não podemos perder um só momento”.

 

Quem não recorda as críticas que dirigia em todos os retiros o Mons. Dupanloup?: “Tenho uma atividade terrível... levarei sempre mais tempo que o necessário para fazer algo”. Ao declinar de sua vida: “Não perdi tempo o bastante, fiz demasiadas coisas, demasiadas coisas pequenas a custa das grandes”. E sempre repetia o mesmo: “Por nada deixemos a vida interior; sempre a vida interior antes de tudo”. Não sonhou durante algum tempo se retirar na Grande Cartuxa?

 

b) Por nossa falta de mortificação. – Somos ainda demasiados carnais e não estimamos e nem saboreamos mais do que as coisas exteriores e agradáveis para os sentidos. E, como disse São Paulo, “o homem animal não percebe as coisas do Espírito de Deus”.( 1Cor 2, 14.) É Absolutamente indispensável o espírito de mortificação. Devese praticar o famoso agere contra, que tanto inculcava Santo Inácio de Loyola.

 

c) Por nossa afeições desordenadas. – “se alguém não estiver totalmente livre das criaturas, não poderá tender livremente às coisas divinas. Por isso se encontram tão poucos contemplativos, porque poucos acertam em se desvencilhar totalmente das criaturas e coisas semelhantes”. Duas coisas, pois, é preciso praticar para ouvir a voz de Deus: desprender-se de todo afeto terreno e atender positivamente ao divino Hóspede de nossas almas. A alma deve estar sempre em atitude de humilde expectativa: “Falai, Senhor, o vosso servo escuta”.( 1Sm 3, 10.)

 

2) Discrição de espíritos. – é de grande importância na vida espiritual o discernimento ou discrição de espíritos, para saber que espírito nos move em um determinado momento. Eis aqui alguns dos mais importantes critérios para conhecer as inspirações divinas e distingui-las dos movimentos da própria natureza ou do demônio:

 

a) a santidade do objeto. – O demônio nunca impulsiona a virtude; e a natureza tampouco costuma fazê-lo quando se trata de uma virtude incomoda e difícil.

 

b) a conformidade com nosso próprio estado. – O Espírito Santo não pode impulsionar um cartuxo a predicar, nem a uma monja contemplativa a cuidar dos doentes nos hospitais.

 

c) paz e tranquilidade de coração. – Disse São Francisco de Sales: “um dos melhores sinais de bondade de todas as inspirações, e particularmente das extraordinárias, é a paz e a tranquilidade no coração de quem as recebe; porque o divino Espírito é, em verdade, violento, mas com uma violência doce, suave e apaziguadora. Se apresenta como um vento impetuoso449 e como um raio celestial, mas nem derruba ou perturba os apóstolos; o espanto que seu ruído causa neles é momentâneo e vai imediatamente acompanhado de uma doce segurança”.450 O demônio, ao contrário, alvoroça e enche de inquietude.

 

d) obediência humilde. – “Tudo é seguro na obediência e tudo é suspeito fora dela. Quem diz que está inspirado e se nega a obedecer aos superiores e seguir seu parecer, é um impostor”. Testemunha disso são o grande número de hereges e apóstatas que se diziam inspirados pelo Espírito Santo ou gozar de um carisma especial.

 

e) o juízo do diretor espiritual. – Nas coisas de pouca importância que ocorrem todos os dias não é necessária uma longa deliberação, mas escolher simplesmente o que pareça mais conforme à vontade divina, sem escrúpulos nem inquietudes de consciência; porém nas coisas duvidosas de maior importância, o Espírito Santo inclina sempre a consultar os superiores ou o diretor espiritual.

 

3. Docilidade na execução. – Consiste em seguir a inspiração da graça no mesmo instante que se produza, sem fazer esperar um segundo ao Espírito Santo. (Isso se refere unicamente aos casos nos quais a inspiração divina é clara e manifesta. Nos casos duvidosos, deveria refletir, aplicando as regras do discernimento ou consultando com o diretor espiritual.) Ele sabe melhor do que nós o que nos convém; aceitemos, pois, o que nos inspire e levemo-lo a cabo com coração alegre e esforçado. A alma deve estar sempre disposta a cumprir a vontade de Deus a todo momento: “Ensinai-me a fazer vossa vontade, pois sois o meu Deus”.( Sl 142, 10.)

 

A natureza, desconforme com isto, colocará em nosso caminho um triplo obstáculo:

 

a) A tentação da dilação. – É como dizer ao Espírito Santo: “Desculpe-me por hoje; o farei amanhã”.

 

Porque Deus coloca geralmente em suas petições uma infinita discrição, na qual consiste a suavidade de seus caminhos, chegamos a esquecer quão odioso é fazer esperar à Majestade soberana. Bem estaria não responder imediatamente ao vigário de Cristo na terra! Nos permitiremos ser negligentes porque é o próprio Deus quem manda? Precisamente porque Ele é tão delicado ao solicitar nossa fidelidade, uma grande delicadeza por nossa parte deveria nos fazer voar e servir-lhe. Assim o faziam os santos.

 

Muitas almas chegam ao final de sua vida sem ter nunca ou quase nunca consentido que o Espírito Santo fosse seu dono absoluto. Sempre lhe impediram a entrada, sempre lhe fizeram esperar. Na hora da morte o verão claramente, mas então será demasiado tarde: já não haverá lugar para o “amanhã sem falta”, para a dilação contínua. Terminou o tempo e se entra na eternidade. Pensemos com frequência nos lamentos daquela última hora por não ter respondido imediatamente às inspirações da graça, por ter feito aguardar em demasia àquele que tanto quis nos elevar.

 

b) Os furtos da vontade. - às vezes se proclama ou confessa a própria covardia. Temos medo do sacrifício que nos pede. É o medo que todos sentimos quando se trata de executarmos (toda execução leva consigo a morte de algo em nós, é sempre uma “execução capital”).

 

A natureza protesta, lamentando-se de antemão das generosidades nas quais terá de consentir:

 

“Deus meu! – exclamava Rivière –, afastai de mim a tentação da santidade. Contentai-vos com uma vida pura e paciente, que eu com todos meus esforços tratarei de vos oferecer. Não priveis dos gozos deliciosos que conheci, que amei tanto e que tanto desejo viver. Não confundais. Não pertenço à classe precisa. Não me tenteis com coisas impossíveis”.

 

Aí temos descrito ao vivo, em uma alma nada vulgar, o medo da entrega total, a inclinação aos rodeios; o prurido, muito explicável, de soslaiar ao obstáculo em vez de superá-lo.

 

Não obstante, se suspeitássemos que recompensa aguarda a entrega total e generosa! É famosa a história do mendigo da Índia de que nos fala Tagore. É a história de muitas vidas:

 

“Caminhava – refere o pobre maltrapilho – mendigando de porta em porta a caminho de um povoado, quando à distancia apareceu tua carruagem dourada, qual sonho radiante, e admirei ao rei dos reis.

 

O carro se deteve. Pousaste tua mirada em mim e te apeaste sorridente. Senti chegada a sorte de minha vida. De repente, estendeste a mim tua mão direita e disseste: Que vais me dar?

 

Ah! Que piada era esta, estender a mão um rei a um mendigo para mendigar? Fiquei confuso e perplexo. Por fim, saquei de meus alforjes um grão de trigo e o dei a ti.

 

Mas grande surpresa foi a minha, quando ao declinar o dia e esvaziar meu saco, encontrei uma pepita de ouro entre o punhado de grãos vulgares. Então chorei amargamente e me disse: lástima não haver tido o pressentimento de tudo te dar!”

 

c) O afã de recuperar o que demos. – Se mesmo depois de termos entregado o misero grão de trigo ou as escassas existências de nossos alforjes, não tratássemos de recuperá-las! É a eterna história das crianças que tendo oferecido suas guloseimas ante o presépio, enquanto voltamos as costas tentam recuperá-las para “saborear seu sacrifício”.

 

O duque de Veneza, ao tomar posse do cargo, atirava ao mar, para simbolizar as bodas da república com o oceano, uma aliança de ouro. Mas contam que, tão logo terminava a festa, os mergulhadores se encarregavam de recuperá-la.

 

Assim somos nós. Quem, sem necessidade de muitas investigações, não comprovará em sua conduta moral exemplos parecidos? Não estamos acostumados a subtrações em nossos holocaustos, a esperar ávida e imediatamente o prêmio depois da oferenda de nossos melhores sacrifícios? Eterna miséria de nossa condição! Deve-se humilhar-se por ela, mas não se desanimar. E fazer o quanto possamos para que o nosso egoísmo seja o mais reduzido possível.

 

5. Como reparar nossas infidelidades

 

Depois da suprema desgraça de se condenar eternamente, não há maior desventura do que a do abuso das graças divinas. Mas assim como a desgraça eterna é absolutamente irreparável, as infidelidades à graça podem ser reparadas totalmente ou em parte enquanto vivamos neste mundo.( Cf. Augusto Saudreau, El ideal del alma ferviente (Barcelona 1926) p. 128 ss.) Em uma oração difundida entre algumas comunidades religiosas se formula esta tripla petição à misericórdia divina:

 

Deus meu, tende comigo a misericórdia e a liberalidade de me fazer reparar, antes de minha morte, todas as perdas de graças que tive a desgraça ou insensatez de causar-me.

 

Fazei com que chegue ao grau de méritos e de perfeição ao qual vós me queirais levar segundo vossa primeira intenção, e que eu tive a infelicidade de frustrar com minhas infidelidades.

 

Tende também a bondade de reparar nas almas as perdas de graça que por minha culpa se tenham ocasionado.

 

Nada mais razoável do que tais petições. Deus pode, se se pede a Ele, acrescentar as graças preparadas para uma alma; e se esta se mostra fiel nestes novos adiantamentos divinos, tal aumento pode compensar as perdas anteriores. Àquele que não utilizou uma adversidade, pode o Senhor enviar-lhe outras em sucessão: as que houvesse tido sendo sempre leal e as destinadas a substituir às que não deram fruto. Também podem se multiplicar as ocasiões de sacrifícios para substituir aos sacrifícios que se reutilizaram.

 

As graças de luz podem ser mais abundantes, a vontade pode receber mais força e Deus pode comunicar um amor mais firme, intenso e acentuado. Estes suplementos não estão sobre o poder de Deus, nem são contrários à sua justiça. É certo, certíssimo, que a alma infiel não os merece; mas a oração fervente e perseverante – aquela na qual Deus prometeu tudo (Mt 7, 7-11.) – pode consegui-los infalivelmente.

 

Como poderia se explicar, se não fosse assim, que grandes pecadores tenham se tornado grandes santos? Seus pecados passados foram ocasião para se remontar a uma maior virtude. O desejo de repará-los lhes induziu a praticar grandes austeridades e a redobrar seu amor fervente a Deus.

 

As lágrimas de São Pedro, que continuam derramando-se durante toda sua vida, não haveriam corrido tão copiosamente nem, por tanto, produzindo tão numerosos atos de amor se não houvesse negado a seu Mestre tão covardemente. Nosso Senhor disse a Santa Margarida de Cortona que suas penitências haviam apagado de tal maneira seus nove anos de desordem, que o céu a colocaria no coro das virgens.

 

Estes e outros muitos exemplos nos ensinam que jamais devemos desanimar por nossos pecados e passadas infidelidades: mas também que não basta deplorá-los: é necessário repará-los e expiá-los. Se o trem de nossa vida vem com atraso aproximando-se da estação de chegada, é evidente que chegaremos a ela com um irreparável atraso, ao menos que aumentemos intensamente a velocidade, dedicando o que nos resta de vida a uma entrega total e absoluta às exigências, cada vez mais imperiosas, da união íntima com Deus.

 

A expiação volta a Deus mais favorável, atrai graças muito mais abundantes e poderosas, aparta da alma os impedimentos postos pelo pecado, que impedem o exercício perfeito das virtudes. Deste modo não só repara as faltas anteriores, mas por ela a alma se eleva na virtude muito mais do que se não houvesse pecado. São Paulo escreveu em sua carta aos Romanos estas consoladoras palavras: “Tudo coopera para o bem dos que amam a Deus”,( Rm 8, 28.) e o gênio de Santo Agostinho se atreveu a acrescentar: etiam peccata, até mesmo os pecados.

 

Se, ao contrário, não se leva a sério o expiar as próprias faltas e reparar os abusos cometidos contra as graças e inspirações recebidas da bondade divina, o Senhor dará a outras almas fiéis as graças que nós desprezamos com tanta insensatez e loucura. Não o adverte expressamente na Parábola das minas: “E disse aos que estavam presentes: Tirai-lhe a mina, e dai-a ao que tem dez minas. Replicaram-lhe: Senhor, este já tem dez minas!...Eu vos declaro: a todo aquele que tiver, dar-se-lhe-á; mas, ao que não tiver, ser-lhe-á tirado até o que tem”.( Lc 16, 24-26.)

 

É muito consolador pensar que, mesmo depois de ter sido desleal, se pode recuperar o perdido sendo generoso com Deus. É indubitável que, se não nos esforçamos em redobrar nosso fervor – aproveitando precisamente de nossas infidelidades passadas –, não recuperaremos o tempo perdido, nem alcançaremos o grau de perfeição ao qual Deus queria nos elevar, do mesmo modo que o trem não pode recuperar o atraso sofrido na metade de seu caminho se o maquinista não se preocupa de acelerar a marcha antes de sua chegada à estação final.

 

Alguns corações desconfiados imaginam que já não podem esperar subir ao grau de fervor do qual caíram por sua contínua infidelidade à graça. Conhecem muito mal a longanimidade e misericórdia divinas. São inumeráveis os textos da Sagrada Escritura que nos inculcam isto expressamente:

 

“Renuncie o malvado a seu comportamento, e o pecador a seus projetos; volte ao Senhor, que dele terá piedade, e a nosso Deus que perdoa generosamente. Pois meus pensamentos não são os vossos, e vosso modo de agir não é o meu, diz o Senhor; mas tanto quanto o céu domina a terra, tanto é superior à vossa a minha conduta e meus pensamentos ultrapassam os vossos”. (Is 55, 7-9.) O que quer dizer que a misericórdia de Deus, essa misericórdia que enche o universo – misericórdia Domini plena est terra (Sl 33, 5) – sobrepuja em muito a ideia de que dela possam se formar as raquíticas inteligências dos homens.

 

Mesmo os que mais abusaram, porque mais receberam, devem ter esta confiança, pois se tanto receberam é porque Deus os preferiu, e só resta por sua parte voltar a ser o que eram. Os dons de Deus – ensina São Paulo -, a vocação do povo escolhido é, sem dúvida alguma, a de uma alma em uma altura eminente, são irrevogavelmente sine poenitentia sunt dona vocatio Dei ( Rm 11, 29).

 

É indubitável que os desígnios divinos ficam em suspenso quando o homem lhes coloca obstáculos; mas Deus não revoga sua eleição. Tirem os obstáculos e se realizarão os planos primitivos da Providência. Aqueles que degustaram os dons de Deus, os que foram favorecidos pelas graças místicas, podem ter perdido por sua infidelidade tão imensos favores; mas Deus, que os tratou como privilegiados, sempre está disposto a enriquecê-los com graças maiores, se querem expiar generosamente suas faltas e erros passados.

 

Devemos, pois, fomentar em nós a santa ambição de adquirir para a eternidade esta riqueza de glória, ou, melhor dizendo – já que nossa felicidade se constituirá no amor e na posse de Deus amado -, devemos procurar adquirir a grande suma de amor que Deus predestinou para nós ao nos criar. Por grandes que tenham sido até agora nossas infidelidades, creiamos com firme confiança que podemos, com auxílio divino, reparar e recuperar o que perdemos.

 

Mas entendamos muito bem que, para alcançar este resultado tão desejável, é preciso ser generoso a toda prova. E é necessário começar hoje mesmo nossa tarefa, sem nossas dilações suicidas. Já declina o dia (Lc 24, 29.) e se aproxima a noite, na qual ninguém pode trabalhar; (Jo 9, 4.) ou, se se prefere assim, já estão se dissipando as sombras da noite desta vida e no horizonte próximo amanhecem já as primeiras luzes da eternidade. É preciso pressa para não chegar demasiado tarde.

 

6. Consagração ao Espírito Santo

 

Existe uma fórmula magnífica, difundida entre muitas comunidades religiosas, para expressar ao Espírito Santo nossa entrega total e perfeita consagração à sua divina pessoa. É claro que não basta recitar uma prece, por mais sublime que seja; é necessário viver essa perfeita consagração que com ela queremos expressar. Mas não cabe dúvida que, recitando e saboreando lentamente a magnífica fórmula que exporemos na continuação, acabaremos por conseguir da divina misericórdia uma perfeita sintonia entre nossa vida e o que está expressado por esta fervorosa oração.

 

Ei-la aqui: (Ignoramos quem seja o autor desta preciosa oração. Costumava propagá-las entre as almas seletas o santo padre Arintero, O.P., fundador da revista “La vida sobrenatural”e morto em Salamanca em 20 de fevereiro de 1928 em odor de santidade. A causa de sua beatificação já foi introduzida em Roma. Ignoramos se a Consagração ao Espírito Santo a escreveu ele mesmo ou a recebeu de alguma das grandes almas que ele soube dirigir até os cumes da santidade.)

 

Ó Espírito Santo, laço divino que unis o Pai com o Filho, em um inefável e estreitíssimo laço de amor! Espírito de luz e de verdade, dignai-vos derramar toda a plenitude de vossos dons sobre minha pobre alma, que solenemente vos consagro para sempre, a fim de que sejais seu preceptor, seu diretor e seu mestre. Vos peço humildemente fidelidade a todos vossos desejos e inspirações e entrega completa e amorosa a vossa divina ação.

 

Ó Espírito Criador! Vinde, vinde a operar em mim a renovação pela qual ardentemente suspiro; renovação e transformação tal, que seja como uma nova criação, toda de graça, de pureza e de amor, com a que dê princípio verdadeiramente à vida inteiramente espiritual, celestial, angélica e divina que pede minha vocação cristã.

 

Espírito de santidade, concedei à minha alma o contato com a vossa pureza e ficará mais branca do que a neve! Fonte sagrada de inocência, de candor e de virgindade, dai-me de beber de vossa água divina, apagai a sede de pureza que me abrasa, batizando-me com aquele batismo de fogo cujo divino batistério é vossa divindade, sois vós mesmo! Envolvei todo meu ser com suas puríssimas chamas. Destruí, devorai, consumi nos ardores do puro amor tudo que haja em mim que seja imperfeito, terreno e humano; tudo que não seja digno de vós.

 

Que vossa divina unção renove minha consagração como templo de toda a Santíssima Trindade e como membro vivo de Jesus Cristo, a quem, com maior perfeição ainda que até aqui, ofereço minha alma, corpo, potências e sentidos, com tudo que sou e tenho.

 

Feri-me de amor, ó Espírito Santo!, com um desses toques íntimos e substanciais, para que, à maneira de flecha incendiada, fira e transpasse meu coração, fazendo-me morrer a mim mesmo e a tudo que o que não seja o Amado. Trânsito feliz e misterioso que só vós podeis operar, ó Espírito divino, e que anseio e peço humildemente. Qual carro de divino fogo, arrebatai-me da terra ao céu, de mim mesmo a Deus, fazendo que desde hoje habite já naquele paraíso que é seu coração.

 

Infundi-me o verdadeiro espírito de minha vocação e as grandes virtudes que exige e são penhor seguro de santidade: o amor à cruz e à humilhação e o desprezo de tudo o que é transitório. Dai-me, sobretudo, uma humildade profundíssima e um santo ódio contra mim mesmo. Ordenai em mim a caridade e embriagai-me com o vinho que engendra virgens.

 

Que meu amor a Jesus seja perfeitíssimo, até chegar à completa alienação de mim mesmo, àquela celestial demência que faz perder o sentido humano de todas as coisas, para seguir as luzes da fé e os impulsos da graça.

 

Recebei-me, pois, ó Espírito Santo!, que totalmente e completamente me entrego a vós. Possuí-me, admiti-me nas castíssimas delícias de vossa união, e nela desfaleça e expire de puro amor ao receber vosso ósculo da paz. Amém.

 

Fonte: Fr. Antonio Royo Marín - O Grande desconhecido.