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O Espírito Santo em Jesus Cristo.

 

Depois de termos estudado brevemente a pessoa do Espírito Santo no seio da Trindade beatíssima, por meio dos dados da Sagrada Escritura e dos diferentes nomes com que lhe denomina a própria Escritura, a tradição e a liturgia da Igreja, vamos examinar agora suas principais operações na pessoa de Jesus Cristo, na Igreja e no interior das almas dos fiéis.

 

Comecemos por nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro. Acerquemo-nos com respeito à divina pessoa do Verbo encarnado para contemplar ao menos algo das maravilhas que Nele realizou o Espírito Santo no momento da encarnação e ao longo de toda a sua vida (Cf. Arrighini, op.cit., p 153ss; Dom Marmión).

 

Os principais episódios da vida de Jesus em que concorreu mais especialmente o Espírito Santo são os seguintes: encarnação, santificação, batismo no rio Jordão, tentações no deserto, transfiguração, milagres, doutrina evangélica e em todas suas atividades humanas. Vamos estudar um a um.

 

1. A encarnação

 

A obra prima do Espírito Santo é, sem dúvida alguma, sua participação decisiva no mistério inefável da encarnação do Verbo nas entranhas virginais de Maria. Em realidade, a encarnação do Verbo é uma operação divina ad extra e, por isso mesmo, comum às três pessoas divinas. As três pessoas divinas participam conjuntamente desta obra inefável, embora se deva acrescentar em seguida que ela teve por termo final unicamente ao Verbo: somente o Verbo, o Filho de Deus, é quem se encarnou ou se fez homem. Embora seja uma obra realizada em uníssono pelas três divinas pessoas, ela é atribuída de uma maneira especial ao Espírito Santo por uma muito conveniente e razoável apropriação. Porque sendo a encarnação do Verbo a maior prova de amor que Deus deu a suas criaturas racionais, até o ponto de ter enchido de admiração ao próprio Cristo – de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho unigênito – (Jo 3, 16), o que há de estranho em se atribuir especialmente ao Espírito Santo, que é pessoalmente o Amor substancial, o Amor infinito no seio da Trindade Beatíssima?

 

Assim foi reconhecido e proclamado sempre pela tradição cristã, desde os tempos apostólicos, e por isso o Símbolo da fé sempre repetiu: “Creio em Jesus Cristo nosso Senhor, que foi concebido por obra e graça do Espírito Santo e nasceu da Santa Virgem Maria”. O Credo não faz mais do que repetir as palavras dirigidas a Maria pelo anjo da anunciação: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus”(Lc 1, 35).

 

Desta maneira, a terceira pessoa da Santíssima Trindade vem a ser maravilhosamente fecunda, não menos do que as outras duas. De fato, enquanto a fecundidade do Pai aparece claramente na geração eterna do Filho, e a do Filho na processão do Espírito Santo juntamente com o Pai, o Espírito Santo permanecia aparentemente estéril, já que é impossível produzir uma quarta pessoa na Trindade.

 

Ora, a Virgem Maria, ao consentir com seu fiat à encarnação do Verbo por obra do Espírito Santo, se converte misticamente na esposa do próprio Espírito divino e lhe faz divinamente fecundo de uma maneira puríssima e santíssima, porém não menos real e verdadeira. É certo e evidente que o Espírito Santo não criou a divindade do Verbo, mas só a humanidade de Jesus para uni-la hipostáticamente ao Verbo; tampouco criou a humanidade de sua própria substância divina – o que seria monstruoso e absurdo -, mas utilizando seu divino poder sobre o sangue e a carne virginal da imaculada Mãe de Deus. Santo Ambrósio expressou o grande mistério com estas simples palavras: “De que maneira concebeu Maria do Espírito Santo? Se foi de sua própria substância divina, deveria se dizer que o Espírito se converteu em carne e ossos. Mas não foi assim, senão unicamente por sua operação e poder”( Santo Ambrósio, De Spiritu Sancto II 5). Desta maneira – continua o santo doutor – , da carne imaculada de uma virgem vivente, o Espírito Santo formou o segundo Adão, assim como de uma terra virgem o Deus Criador formou o primeiro.

 

2. A santificação

 

Como mostra a teologia católica e é doutrina oficial da Igreja, ademais da graça chamada de união ou hipostática, em virtude da qual Cristo-homem é pessoalmente o Filho de Deus, sua alma santíssima possui com uma plenitude imensa a graça habitual ou santificante, cuja efusão na alma de Cristo se atribui também ao Espírito Santo.

 

Para entender um pouco esta doutrina, devese ter em conta que em Jesus há duas naturezas distintas, ambas perfeitas, mas unidas na pessoa que as enlaça: o Verbo. A graça de união faz com que a natureza humana subsista na pessoa divina do Verbo. Essa graça é inteiramente única, transcendental e incomunicável: somente Cristo a possui. Por ela pertence ao Verbo a humanidade de Cristo, que se converte, por essa razão, na humanidade do verdadeiro Filho de Deus, e que é, portanto, objeto da complacência infinita para o Pai eterno. Mas mesmo que a natureza humana esteja unida de maneira tão íntima ao Verbo, nem por isso é aniquilada ou fica inativa; antes, guarda e conserva sua essência, sua integridade, com todas suas energias e potências; é capaz de ação, e é a graça santificante que eleva essa humanidade santa para que possa operar sobrenaturalmente.

 

Desenvolvendo essa mesma ideia em outros termos, pode-se dizer que a graça de união ou hipostática une a natureza humana à pessoa do Verbo e diviniza desse modo o fundo mesmo de Cristo: Cristo é, por ela, um “sujeito” divino. Até aí alcança a finalidade dessa graça de união, própria e exclusiva de Jesus Cristo. Mas convém ademais que essa natureza humana seja embelezada pela graça santificante para operar de um modo sobrenatural ou divino em cada uma de suas faculdades. Essa graça santificante – que é conatural à graça de união, ou seja, que emana da graça de união de um modo natural em certo sentido –, põe a alma de Cristo à altura de sua união com o Verbo; faz com que a natureza humana, que subsiste no Verbo em virtude da graça de união, possa operar como convém a uma alma sublimada a tão excelsa dignidade e produzir frutos divinos.

 

Eis aí porque não se deu a graça santificante à alma de Cristo de maneira limitada, como se dá aos eleitos, senão em sumo grau, com uma plenitude imensa. Ora, a efusão da graça santificante na alma de Cristo é atribuída ao Espírito Santo. O próprio Cristo aplicou a si mesmo, na sinagoga de Nazaré, o seguinte texto messiânico de Isaias: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres...” (Is 61,1; Lc 4,18). Nosso Senhor fazia suas as palavras de Isaias que comparam a ação do Espírito Santo a uma unção (Veni, Creator Spiritus). A graça do Espírito Santo se difundiu sobre Jesus como azeite de alegria que lhe consagrou, primeiro, como Filho de Deus e Messias, e lhe encheu, ademais, no momento da encarnação, da plenitude de seus dons e da abundancia dos tesouros divinos.

 

Porque não se pode esquecer que a graça santificante jamais é infundida sozinha. Ela sempre vai acompanhada do cortejo riquíssimo das virtudes infusas e dos dons do Espírito Santo. A própria graça informa a essência da alma, divinizando-a e elevando-a à ordem sobrenatural; ao passo que as virtudes e outros dons informam as diversas potências para elevá-las ao mesmo plano e fazê-las capazes de produzir atos sobrenaturais ou divinos.

 

Por isso o profeta Isaías, falando do futuro Messias, anuncia a plenitude dos dons com que será enriquecida sua alma santíssima: “Um broto vai surgir do tronco seco de Jessé, das velhas raízes, um ramo brotará. Sobre ele há de pousar o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e compreensão, espírito de prudência e valentia espírito de conhecimento e temor do Senhor. No temor do Senhor estará sua inspiração”(Is 11, 1-3). A tradição cristã sempre viu nesse texto a plenitude dos dons do Espírito Santo na alma santíssima de Cristo.

 

Em ninguém, jamais, tais dons produziram tão sublimes frutos de santidade. Mesmo enquanto homem, Jesus se apresenta com uma perfeição tal que supera infinitamente a de qualquer outro, por mais santo que seja. São Paulo se considera o menor dos apóstolos e indigno de ser chamado apóstolo (1Cor 15, 9). São João afirma que se alguém se considera sem pecado, se engana a si mesmo e a verdade não está nele (1Jo 1,8). “Eu não sei, escreve De Maistre – que coisa seria o coração de um malfeitor; não conheço mais do que o de um homem honesto, e é espantoso” (Joseph de Maistre). De modo semelhante se expressaram todas as consciências retas.

 

Mas não Jesus Cristo. N’Ele, não há arrependimento, nem desejo de uma vida melhor. Lança um desafio a seus inimigos: “Quem de vós pode acusar-me de pecado?”(Jo 8, 46) e nem os escribas e fariseus, nem Pilatos, nem Herodes, nenhum de seus grandes inimigos puderam lhe surpreender jamais no menor pecado que seja. A santidade de Jesus triunfou para sempre: “Ele é santo, inocente, imaculado, apartado dos pecadores e mais alto que os céus”(Hb 7, 28), adornado de todos os dons e repleto de todos os frutos do Espírito Santo. Todas as virtudes floresceram n’Ele com a mesma exuberante e gigantesca vegetação: nenhum vazio, nem uma mínima mancha. É a santidade perfeita, a santidade própria de Deus.

 

3. O batismo

 

Os tesouros de santidade e de graça que acabamos de recordar foram derramados pelo Espírito Santo na alma de Cristo no momento mesmo da encarnação do Verbo nas entranhas virginais de Maria; porém, se realizaram de uma maneira calada e escondida aos olhos do mundo. Era conveniente, pela mesma razão, que mais tarde se manifestasse publicamente sua santidade infinita e fosse proclamada sua divindade pelo próprio Pai Eterno na presença do Espírito Santo. E isto, precisamente, foi o que ocorreu no batismo de Jesus por João Batista (Suma Teológica III q.39 a.8 ad 3).

 

A cena evangélica é de todos conhecida:

 

“Então, Jesus veio da Galileia para o rio Jordão, até junto de João, para ser batizado por ele. Mas João queria impedi-lo, dizendo: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?”. Jesus, porém, respondeu-lhe: “Por ora, deixa, é assim que devemos cumprir toda a justiça!”. E João deixou. Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água e o céu se abriu. E ele viu o Espírito de Deus descer, como uma pomba, e vir sobre ele. E do céu veio uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado; nele está o meu agrado” (Mt 3,13-17).

 

O Doutor Angélico, São Tomás de Aquino, adverte belissimamente que, no momento de seu batismo, foi convenientíssimo que o Espírito Santo descesse sobre Jesus em forma de pomba, para significar que todo aquele que recebe o batismo de Cristo se converte em templo e sacrário do Espírito Santo e deve levar uma vida cheia de simplicidade e candura, como a da pomba, como adverte o próprio Cristo no Evangelho (Mt 10,16).

 

E foi também convenientíssimo que no batismo de Cristo se ouvisse a voz do Pai manifestando sua complacência sobre Ele; porque o batismo cristão – do qual foi figura o do Batista – se consagra pela invocação e a virtude da Santíssima Trindade, e no batismo de Cristo se manifestou todo o mistério trinitário: a voz do Pai, a presença do Filho e o descenso do Espírito Santo em forma de pomba. E note-se, finalmente, que o Pai se manifestou muito oportunamente na voz; porque é próprio do Pai engendrar ao Verbo, que significa a Palavra. Daí que a mesma voz emitida pelo Pai dá testemunho da filiação do Verbo.

 

4. As tentações no deserto

 

Os três evangelistas sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – relatam a misteriosa cena das tentações que sofreu Jesus no deserto por parte do diabo. E os três nos dizem que foi levado ou impelido para o deserto pelo próprio Espírito Santo. Eis aqui suas próprias palavras:

 

“Em seguida, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio”(Mt 4,1)

 

“Logo depois, o Espírito o impeliu para o deserto. Lá, durante quarenta dias, foi tentado por Satanás” (Mc 1,12-13).

 

“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e, no Espírito, era conduzido pelo deserto. Ali foi posto à prova pelo diabo, durante quarenta dias”(Lc 4,1-2).

 

O fato de ter sido impulsionado pelo próprio Espírito Santo ao deserto “para ser tentado pelo demônio” coloca uma série de dificuldades teológicas que devem ser explicadas, para se entender corretamente essa misteriosa passagem evangélica.

 

Em primeiro lugar cabe perguntar por que o Espírito Santo levou ou impeliu a Jesus para o deserto. Acaso teria o Filho de Deus necessidade de submeter-se à penitência, ao jejum ou, o que resulta ainda mais estranho, às tentações do demônio?

 

É evidente que não. São Paulo nos diz que, sendo Jesus “santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado além dos céus, que não tem necessidade, como os outros sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro pelos pecados próprios, depois pelos do povo” (Hb 7,26-27). O próprio São Paulo nos dá a verdadeira explicação ao nos dizer que foi tentado para nos ajudar a vencer as tentações (Hb 2,18) e compadecer-se de nossas fraquezas, sendo tentado em tudo a nossa semelhança (Hb 4,15).

 

Para nos dar também um exemplo eficaz de mortificação, durante os quarenta dias que permaneceu no deserto não comeu absolutamente nada (Lc 4, 2). Abandonando-se ao impulso do Espírito Santo, que o transportou àquela natureza desértica e maldita, se segregou completamente do mundo exterior. Não sentindo sequer ter um corpo, que era necessário alimentar e preservar da injúria do clima e das feras, se entregou por inteiro à oração e aos graves pensamentos que embargavam seu espírito, prestes a começar sua missão pública sobre o povo escolhido. Por outra parte, recentes descobertas mostraram que, mesmo prescindindo de um socorro sobrenatural, o homem pode viver seis ou sete semanas, e inclusive um pouco mais, sem receber alimento algum.

 

Tal situação, no entanto, deve ter um termo necessariamente; e então a natureza violentada reclama seus direitos com uma energia especial; por isso diz São Lucas explicitamente que, ao cabo dos quarenta dias, Jesus “teve fome” (Lc 4, 2). Foi este o momento que o demônio escolheu para dar uma forma mais precisa e violenta às tentações com as quais, quiçá desde os primeiros dias de retiro, vinha assediando a Jesus. O próprio Evangelho parece sugerir que tais tentações foram se sucedendo durante todo o tempo que Jesus passou no deserto (Mc 1,13). As três referidas pelos evangelistas em particular e conhecidas de todos, reunidas ao término de quarenta dias, seriam um resumo ou um ensaio das outras.

 

Com respeito a essas misteriosas tentações, ocorre perguntar também até que ponto elas puderam influir na alma de Cristo e até que extremo lhe haveria abandonado o Espírito Santo a mercê do espírito do mal, e este teria chegado a lhe ofender.

 

Para resolver com acerto essa questão, é preciso ter em conta que são três os princípios de onde procedem as tentações que padecem os homens: o mundo, o diabo e a própria carne ou sensualidade, que constituem, por isso mesmo, nos três principais inimigos da alma.

 

Ora, Cristo não poderia sofrer os assaltos do terceiro desses inimigos, posto que não existia n’Ele o fomes peccati, nem a mais ligeira inclinação ao pecado (cf. D 224). Tampouco podiam lhe afetar as pompas e vaidades do mundo, dada sua clarividência e serenidade de juízo. Mas não há inconveniente algum em que houvesse se submetido voluntariamente à sugestão diabólica, já que é algo puramente externo a quem a padece e não supõe a mais mínima imperfeição n’Ele. Toda a malícia desta tentação pertence exclusivamente ao tentador.

 

De todas as formas, a explicação teológica dessa questão traz em si uma grande dificuldade, por estar intimamente relacionada com o mistério da união hipostática e com o mistério da união essencial das três divinas pessoas entre si. Com efeito, é evidente que se supomos que a alma de Cristo é sempre igual e necessariamente iluminada pela comunicação direta do Verbo e pela efusão do Espírito Santo, a tentação não poderia ser para Ele nem perigosa e nem meritória; não seria uma luta, mas apenas uma simples aparência de luta, uma inútil e enganosa fantasmagoria. Se a irradiação divina perdura sempre do mesmo modo e com a mesma intensidade no fundo da consciência do Salvador, as manifestações de gozo ou de tristeza tão profundamente expressadas no Evangelho não têm significado real, sem excluir aquele último e supremo grito de angustia: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonas-te?” (Mt 27,46).

 

Como se pode explicar tudo isso? Os teólogos de todas as escolas concordam em dizer que, nas horas de provação, a divindade se contraía – por assim dizer – para a parte superior da alma de Cristo e se cobria com um véu; ou seja, que o Verbo e as outras duas pessoas divinas suspendiam sua comunicação luminosa e deixavam a alma humana de Cristo como que a mercê de si mesma. Assim como uma mãe parece deixar a seu pequeno filho que faça por si mesmo a experiência de suas próprias forças ao dar os primeiros passos, retirando aparentemente a proteção de suas mãos maternais, porém permanecendo vigilante e alerta para que o menino não caia ao solo se, por desgraça, tropece ao tentar andar ou a lutar contra um obstáculo, é evidente que o fato de não cair ou de triunfar sobre o obstáculo constitui para a criança uma vitória e um mérito, independentemente de que tivesse assegurada a proteção dos braços maternos, caso necessitasse deles.

 

Nas tentações de Jesus, a presença do Verbo e das outras duas pessoas da Trindade asseguravam sempre o triunfo mais rotundo e absoluto; mas não obstante isso, o isolamento momentâneo em que deixavam a sua alma humana estabelecia um verdadeiro mérito e um indiscutível triunfo para ela. Naqueles momentos de prova, Jesus parecia ter perdido seus poderes de Deus, para conservar unicamente a debilidade de escravo; porém, sua humanidade santíssima era tão pura e estava tão bem custodiada pela divindade, que resultava absolutamente impecável.

 

Tendo isso em conta, eis aqui as principais razões pelas quais Cristo quis se submeter de fato às tentações de Satanás.

 

a) Para merecermos o auxílio contra as tentações.

 

b) Para que ninguém, por mais santo que seja, se tenha por seguro e isento de tentações.

 

c) Para nos ensinar a maneira de vencê-las.

 

d) Para nos dar confiança em sua misericórdia, segundo as palavras de São Paulo: “Porque não temos nele um pontífice incapaz de compadecer-se das nossas fraquezas. Ao contrário, passou pelas mesmas provações que nós, com exceção do pecado” (Hb 4,15).

 

5. A transfiguração no monte Tabor

 

Os evangelhos sinóticos descrevem detalhadamente a fulgurante cena da transfiguração de Cristo em um “monte alto”, que, provavelmente, foi o monte Tabor. O rosto de Cristo tornou-se resplandecente como o sol, na presença de Pedro, Tiago e João; instantes depois, uma nuvem resplandecente lhes cobriu e dela saiu uma voz que dizia: “Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda minha afeição; ouvi-o” (Mt 17, 1-9). Porque quis Jesus transfigurar-se desse modo na presença de seus três discípulos prediletos? A razão histórica imediata foi, sem dúvida alguma, para levantar o ânimo decaído daqueles discípulos aos quais acabava de anunciar a proximidade de sua paixão e morte (Mt 16, 21). Acabava também de dizer-lhes: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.” (Mt 16, 24).

 

Ante uma perspectiva tão dura, é natural que os discípulos tenham experimentado certo abatimento e tristeza. Para levantar-lhes o ânimo, Cristo mostrou a eles, na cena da transfiguração, a glória imensa que lhes aguardava se permanecessem fiéis a ele até a morte. Mas o que nos interessa aqui destacar é a presença de toda a Trindade Beatíssima na cena do Tabor. Ouve-se a voz do Pai – como no batismo de Jesus – na presença de seu Filho muito amado e do Espírito Santo, simbolizado na nuvem resplandecente. Escutemos o Doutor Angélico expondo essa doutrina:

 

“No batismo, quando foi anunciado o mistério da primeira regeneração, manifestou-se a obra de toda a Trindade, porque aí se manifestou o Filho encarnado, apareceu o Espírito Santo em figura de pomba e o Pai se anunciou verbalmente. Assim também na transfiguração, que é o sacramento da segunda regeneração, toda a Trindade manifestou-se — o Pai, pela voz; o Filho, pela sua humanidade; o Espírito Santo, pela nuvem resplandecente. Porque, assim como no batismo Deus dá a inocência, designada pela simplicidade da pomba, assim na ressurreição dará aos eleitos o esplendor da sua glória e a libertação de todo mal, simbolizados pela nuvem luminosa.”

 

6. Os milagres

 

Como já vimos mais acima, na sinagoga de Nazaré, Jesus aplicou a si mesmo o seguinte texto messiânico de Isaías:

 

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

 

O Espírito Santo – de fato – estava sobre Jesus Cristo quando operava seus grandes prodígios e milagres, como aparece claramente no modo de realizá-los. Porque realizava como dono e senhor da natureza que o Espírito Santo, com seu sopro criador, havia vivificado desde o princípio. Realizava-os sem esforço algum, com a mesma calma com que anunciava ao povo as bem-aventuranças.

 

E, para realizar tais maravilhas, Jesus não tinha necessidade de suplicar a ninguém, de recorrer ao auxílio do céu, como ocorre com os santos taumaturgos, nos quais os dons do Espírito Santo se encontram de forma limitada e transitória. Bastava-lhe uma palavra, um gesto. Ele disse ao leproso: “Eu quero, sê curado”. E instantaneamente ficou limpo de sua lepra (Mt 8,2-3). Ordena ao paralítico: “Levanta-te e anda”, e de imediato é obedecido (Jo 5,8-9). Grita a Lázaro: “Lázaro, vem para fora!”, e o morto putrefato se levanta de sua tumba cheio de saúde e vida (Jo 11,43-44). Basta que estenda sua mão e as tempestades se acalmam, a água se converte em vinho, os pães e peixes se multiplicam, os demônios fogem, os anjos descem do paraíso...

 

E notemos ainda que Jesus realizava tudo isso não para glória de outro, para provar a verdade de uma mensagem alheia, para inspirar a confiança no céu, mas para sua própria glória, para provar a verdade de sua própria religião, para inspirar a fé e a confiança em si mesmo; a fim de que Ele, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, com quem formam uma só coisa, sejam reconhecidos, amados e adorados. Proclama a si mesmo, não menos que o Pai e o Espírito Santo, a fonte daqueles prodígios, e exclama: “aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai” (Jo 14,12).

 

E, de fato, os apóstolos e os santos realizaram também grandes prodígios, e alguns maiores que os de Cristo; mas sempre em nome de Cristo, pela virtude de Cristo; pela fé em Jesus Cristo; in fide nominis eius, (At 3,16) enquanto que o próprio Cristo os realizava por sua virtude própria, por sua própria fé, por seu próprio divino poder, pelo Espírito Santo, que está e vive n’Ele. (Lc 4,18) Se batiza, se expulsa os demônios dos possessos, se cura aos enfermos, se confere o poder de perdoar os pecados, é sempre em virtude do Espírito Santo, com aquele que forma uma só coisa em união com o Pai. Por isso, quer que se lhe adore e glorifique, até o ponto de afirmar solenemente: “Todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, porem a blasfema contra o Espírito Santo não lhes será perdoada. Quem falar contra o Filho do homem, será perdoado; porém, quem falar contra o Espírito Santo, não será perdoado nem neste século, nem no vindouro” (Mt 12,31-32).

 

7. A doutrina evangélica

 

Também na sublime doutrina de Cristo se sente o sopro contínuo do Espírito Santo com seus dons de Sabedoria, entendimento, ciência e conselho. Suas palavras estão cheias do divino Espírito em sua forma e em sua substância ou conteúdo.

 

Em primeiro lugar, em sua forma exterior. Jamais pensamentos mais sublimes e conceitos mais profundos foram expressos com menos palavras; e jamais as palavras, tão pesadas e materiais por si mesmas, que constituem o desespero dos escritores, foram de tal modo idealizadas e vivificadas no próprio pensamento. Não é hiperbólica a esplêndida afirmação do próprio Jesus Cristo: “Minhas palavras são espírito e vida” (Jo 6,63), mas sim a expressão exata da mais augusta realidade. A ciência não pôde encontrar ainda o modo de encerrar em um pequeno volume o caudal imenso dos conhecimentos humanos; mas Jesus Cristo conseguiu plenamente encerrar em poucas palavras, claras, distintas e radiantes de luz, as leis eternas das coisas, os princípios fundamentais dos indivíduos e dos povos, a vida e o progresso indefinido da humanidade.

 

Outra característica impressionante da doutrina de Cristo é sua universalidade. Não pertence a uma pátria determinada: é de todas as nações. Não tem idade; é de todos os tempos. Cristo predicou sua doutrina na Palestina há vinte séculos. Mas ainda hoje não há como modificar um só de seus discursos, uma só de suas parábolas, de suas máximas, de seus sublimes ensinamentos. E é porque sua doutrina não é outra coisa senão a genuína expressão da verdade e a verdade não muda nunca, por mais que variem os lugares e os tempos.

 

A doutrina do Evangelho se revela divina e verdadeiramente cheia do Espírito Santo também em sua própria substância. Cada frase encerra tesouros de infinita sabedoria, sementes de vida sempre nova e maravilhosa. Cristo disse: “Bem aventurados os pobres, os que choram, os que sofrem perseguição pela justiça”. Sementes maravilhosas! Quem poderá avaliar as ricas colheitas que produziram? Delas saíram os apóstolos, os mártires, as virgens, os melhores benfeitores da humanidade. Jesus sentenciou: “Dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César” e estabeleceu com isso as bases fundamentais dos dois poderes dos quais procede a civilização humana. Proclamou: “Todos vós sois irmãos”, traçando com isso as grandes linhas da igualdade social. Disse também: “Pai nosso, que estais no céu...”, abrindo os corações e os lábios de todos à mais santa e eficaz das orações. Com razão dissemos que cada uma de suas palavras encerra um gérmen de progresso indefinido.

 

A humanidade caminha, caminha velozmente sem cessar; bendiz e aclama em sua jornada aos gênios e aos heróis que se levantam para guiá-la; mas prontamente se esquecem deles e lhes vira as costas. A filosofia de Platão teve grande êxito em nossas épocas, mas hoje já não basta. A ciência de Newton é admirável, mas já foi superada. A geologia de Cuvier causou uma revolução, mas ninguém já se recorda dela. Aristóteles, Copérnico, Galileu, Leibnitz... estão ultrapassados. Só Jesus e sua doutrina – declara o próprio Renán – não serão jamais superados.

 

Qual homem, época ou sistema filosófico conseguiu superar seu pensamento ou ao menos soube compreende-lo inteiramente e aplicá-lo perfeitamente à vida? Que o mundo responda com seu grito de angústia. Os homens repartiram as vestes de Jesus, lançaram dados sobre sua túnica inconsútil; mas o espírito que se agitou com tanta energia n’Ele foi por acaso esgotado, possuído ou compreendido por inteiro? De maneira alguma. Permanece ainda e permanecerá sempre inesgotado e inesgotável, porque é infinito como Deus, eterno como a verdade; porque não é outra coisa senão O Espírito Santo.

 

Os próprios apóstolos, discípulos do divino Mestre, não acertaram sempre em compreendê-lo, razão pela qual o Mestre deixou para o Espírito Santo a tarefa de completar seus ensinamentos: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14,26). Jesus deixa para o Espírito Santo o encargo e a glória de completar sua doutrina, de deduzir as últimas consequências, de aplicá-las praticamente; o que, como é sabido, é sempre a parte mais difícil e não pode fazê-lo convenientemente senão aquele mesmo de quem procede tal doutrina. A doutrina evangélica, com efeito, não procedia menos do Verbo que do Espírito Santo, sendo como são, uma só unidade com o Pai.

 

8. Atividades humanas

 

Os evangelhos nos mostram como a alma de Jesus Cristo, em toda sua atividade, obedecia às inspirações do Espírito Santo. O Espírito – como vimos – conduz-lhe ao deserto, onde será tentado pelo demônio (Mt 4,1). Depois de viver quarenta dias no deserto, o próprio Espírito lhe conduz novamente a Galileia (Lc 4,14). Pela ação desse Espírito expulsa os demônios do corpo dos possessos (Mt 12,28). Sob a ação do Espírito Santo salta de gozo quando dá graças a seu Pai, porque revela os segredos divinos às almas simples (Lc 10,21). Finalmente, nos diz São Paulo que a obra prima de Cristo, aquela na qual brilha mais seu amor ao Pai e sua caridade para conosco, o sacrifício sangrento da cruz pela salvação do mundo, o ofereceu Cristo com o impulso do Espírito Santo: “que pelo Espírito eterno se ofereceu como vítima sem mácula a Deus” (Hb 9,14).

 

O que nos indicam todas estas revelações senão que o Espírito de amor guiava toda a atividade humana de Cristo? Sem dúvida alguma era o próprio Cristo, o Verbo encarnado, quem realizava suas próprias obras; todas suas ações são ações da única pessoa do Verbo, na qual subsiste sua natureza humana. Porém não obstante isso, Cristo obrava sempre por inspiração e sob os impulsos do Espírito Santo. A alma de Jesus, convertida na Alma do Verbo pela união hipostática, estava ademais cheia de graça santificante e operava a todo momento pela suave moção do Espírito Santo.

 

Daí que todas as ações de Cristo, mesmo as de aparência mais trivial, eram absolutamente santas. Sua alma, mesmo sendo criada como todas as demais almas, era santíssima. Em primeiro lugar, por encontrar-se unida ao Verbo; unida a uma pessoa divina, tal união fez dela, desde o primeiro momento da encarnação, não um santo qualquer, mas o Santo por excelência, o próprio Filho de Deus. Era santa, ademais, por estar embelezada com a graça santificante no sumo grau possível de perfeição, o que a capacitava para operar sobrenaturalmente em tudo e em perfeita consonância com a união inefável que constitui seu inalienável privilégio. Era santa, em terceiro lugar, porque todas suas ações e operações, mesmo quando eram atos executados unicamente pelo Verbo encarnado, se realizavam sob a moção e inspiração do Espírito Santo, Espírito de amor e santidade. O Homem-Deus é, sem dúvida alguma, a obra prima do Espírito Santo.

 

Fonte: Fr. Antonio Royo Marín - O Grande desconhecido.