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Diferentes nomes do Espírito Santo

 

Para conhecer menos imperfeitamente a natureza íntima, própria ou apropriada, de uma das pessoas divinas em particular, é muito útil e proveitoso examinar os distintos nomes com que a Sagrada Escritura, a tradição e a liturgia da Igreja denominam a essa determinada pessoa, pois cada um deles encerra um novo aspecto ou matiz que nos dá a conhecê-la um pouco melhor.

 

Para entender isso em seus justos limites é mister explicar a diferença que existe entre as operações próprias de cada uma das pessoas divinas e as que, mesmo sendo realmente comuns às três, se apropriam a uma determinada pessoa por encaixar muito bem com as propriedades que lhes são peculiares e exclusivas. A este propósito escreve admiravelmente o insigne abade de Maredsous:

 

Como sabeis, em Deus há uma só inteligência, uma só vontade, um só poder, porque não há mais que uma natureza divina; mas há também distinção de pessoas. Semelhante distinção resulta das operações misteriosas que se verificam ali, na vida íntima de Deus e das relações mútuas que dessas operações se derivam. O Pai engendra o Filho, e o Espírito Santo procede de ambos. Engendrar, ser Pai, é propriedade pessoal e exclusiva da primeira pessoa; ser Filho é propriedade pessoal e exclusiva da segunda; e proceder do Pai e do Filho por via de amor é propriedade pessoal e exclusiva do Espírito Santo. Essas propriedades pessoais estabelecem entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo relações mútuas de onde provém a distinção. Mas excetuando essas propriedades e relações pessoais, tudo é comum e indivisível entre as divinas pessoas: a inteligência, a vontade, o poder e a majestade, porque a mesma natureza divina indivisível é comum às três pessoas. Eis aqui o pouco que podemos rastrear acerca das operações íntimas de Deus.

 

No que concerne às obras exteriores, ou seja, as ações que terminam fora de Deus (operações ad extra), seja no mundo material – como na ação de dirigir a toda criatura a seu fim – seja no mundo das almas – como na ação de produzir a graça – são comuns às três pessoas. Por que é assim? Porque a fonte dessas operações ad extra, dessas obras exteriores à vida íntima de Deus, é a natureza divina e essa natureza é una e indivisível para as três pessoas. A Santíssima Trindade age no mundo como uma só causa única.

 

Mas Deus quer que os homens conheçam e honrem não só a unidade divina, mas também a trindade de pessoas. Por isso a Igreja, por exemplo, na liturgia, atribui a tal pessoa divina certas ações que se verificam no mundo e que, embora sejam comuns às três pessoas, têm uma relação especial ou afinidade íntima com o lugar – se assim posso me expressar – que ocupa essa pessoa na Santíssima Trindade, ou seja, com as propriedades que lhe são particulares e exclusivas.

 

Sendo pois o Pai a fonte, origem e princípio das outras duas pessoas – sem que isso implique no Pai superioridade hierárquica nem prioridade de tempo –, as obras que se verificam no mundo e que manifestam particularmente o poderio, ou em que se revela sobretudo a ideia de origem, são atribuídas ao Pai; como por exemplo, a criação, pela qual Deus tirou o mundo do nada. No Credo dizemos: “Creio em Deus Pai todo poderoso, criador do céu e da terra”. Será, talvez, que o Pai teve mais parte, manifestou mais seu poder nesta obra que o Filho e o Espírito Santo? Seria um erro pensar assim. O Filho e o Espírito Santo atuaram na criação do mundo tanto quanto o Pai, porque – como já dissemos – em suas operações para fora (ad extra) Deus obrou por sua onipotência, e a onipotência é comum às três divinas pessoas.

 

Como, pois, fala desse modo a Igreja? Porque, na Santíssima Trindade, o Pai é a primeira pessoa, princípio sem princípio, de onde procedem as outras duas. Esta é sua propriedade pessoal exclusiva, a qual lhe distingue do Filho e do Espírito Santo. E precisamente para que não esqueçamos essa propriedade, atribuem-se ao Pai as obras exteriores que a sugerem por ter alguma relação com ela.

 

O mesmo se deve dizer da pessoa do Filho, que é o Verbo na Trindade, que procede do Pai por via da inteligência e por geração intelectual, que é a expressão infinita do pensamento divino, considerado sobretudo como Sabedoria eterna. Por isso se lhe atribuem as obras em cuja realização brilha principalmente a sabedoria.

 

E igualmente, no que diz respeito ao Espírito Santo, o que vem a ser a Trindade? É o termo último das operações divinas, da vida de Deus em si mesmo. Fecha, por assim dizer, o ciclo desta intimidade divina; é o aperfeiçoamento no amor e tem, como propriedade pessoal, o proceder ao mesmo tempo do Pai e do Filho por via de amor. Daí que tudo quanto implica aperfeiçoamento e amor, união e, por conseguinte, santidade – porque nossa santidade se mede pelo maior ou menor grau de nossa união com Deus –, tudo se atribui ao Espírito Santo. Porém seria, por ventura, mais santificador que o Pai e o Filho? Não. A obra de nossa santificação é comum às três divinas pessoas. Mas repitamos que, como a obra da santidade na alma é obra de aperfeiçoamento e de união, ela se atribui ao Espírito Santo, porque deste modo nos recordamos mais facilmente de suas propriedades pessoais, para honrar-lhe e adorar-lhe no que do Pai e do Filho se distingue.

 

Deus quer que levemos muito a sério o ato de honrar sua trindade de pessoas, assim como sua unidade de natureza. Por isso, quer que a Igreja recorde a seus filhos não só que há um só Deus, mas que esse único Deus é Trino em três pessoas.

 

Isso é o que em teologia chamamos de apropriação. O termo é inspirado na divina revelação e a Igreja o emprega continuamente. Ele tem por finalidade pôr em relevo os atributos próprios de cada pessoa divina. Ao fazer ressaltar essas propriedades, nos faz conhecê-las e amá-las mais.

 

Vejamos agora quais são os nomes que pertencem ao Espírito Santo, de uma maneira própria e perfeita, e quais outros pertencem somente por uma apropriação muito razoável.

 

Nomes próprios da terceira pessoa divina

 

Segundo São Tomás de Aquino (Suma Teológica), os três nomes mais próprios e representativos da terceira pessoa divina são: Espírito Santo, Amor e Dom (Suma Teológica). Vamos examiná-los um a um.

 

1. ESPIRITO SANTO. – Consideradas separadamente, as duas palavras que compõem este nome convêm por igual às três divinas pessoas; As três são Espírito e as três são santas. Porém se tomadas como um só nome ou denominação, convêm exclusivamente à terceira pessoa divina, já que só ela procede das outras duas por uma comum espiração de amor infinitamente santa (Suma Teológica).

 

A respeito deste nome santíssimo, a doutrina católica nos mostra:

 

Que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho: “qui ex Patre Filioque procedit”. Está expressamente definido pela Igreja (D 691) contra os ortodoxos gregos, que rechaçam o Filioque e afirmam que o Espírito Santo procede unicamente do Pai.

 

A doutrina católica é clara. Se, por um absurdo, o Espírito Santo não procedesse também do Filho, de maneira nenhuma se distinguiria d’Ele. Porque as divinas pessoas não podem se distinguir por algo absoluto – pois a divina essência já não seria uma e mesma em todas elas –, mas por algo relativo e oposto entre si, ou seja, por uma relação de origem, que é, cabalmente, o que constitui as pessoas divinas como distintas entre si.

 

O Espírito Santo não procede do Pai pelo Filho, no sentido de que o Filho seja a causa final, formal motiva ou instrumental da espiração do Espírito Santo no Pai, mas enquanto significa que a virtude espirativa do Filho lhe é comunicada pelo Pai.

 

O Pai e o Filho constituem um só princípio do Espírito Santo, com uma espiração única e comum aos dois.

 

O Espírito Santo não é feito, nem criado, nem engendrado, mas procede do Pai e do Filho (D 39).

 

2. Amor. – A palavra amor, referida a Deus, pode ser tomada em três sentidos:

 

a) Essencialmente, e neste sentido é comum às três pessoas.

 

b) Nocionalmente, e assim convém unicamente ao Pai e ao Filho: é seu amor ativo, que dá origem ao Espírito Santo.

 

c) Pessoalmente, e desta forma convém exclusivamente ao Espírito Santo, como termo passivo do amor do Pai e do Filho.

 

Pode-se afirmar que o Pai e o Filho se amam no Espírito Santo, entendendo esta fórmula de amor nocional ou originante; porque neste sentido, amar não é outra coisa senão espirar o amor, assim como falar é produzir o verbo, e florescer é produzir flores.

 

3. Dom. – Os Santos Padres e a liturgia da Igreja (Veni, Creator) empregam com frequência a palavra dom para designar ao Espírito Santo, o qual tem seu fundamento na Sagrada Escritura. (Jo 4,10; 7,39; At 2,38; 8,20)

 

Deve-se fazer aqui a mesma distinção, tal como o fizemos com o nome anterior. E assim:

 

a) Em sentido essencial significa tudo o que graciosamente pode ser dado por Deus às criaturas racionais, seja de ordem natural ou sobrenatural. Neste sentido convém por igual às três divinas pessoas e à mesma essência divina, enquanto que, pela graça, pode a criatura racional gozar e desfrutar de Deus.

 

b) Em sentido nocional ou originante significa a pessoa divina que, tendo sua origem em outra, é doada ou pode ser doada por ela à criatura racional. Neste sentido, o nome dom somente pode convir ao Filho e ao Espírito Santo; não ao Pai, que não pode ser doado por ninguém, pois não procede de ninguém.

 

c) Em sentido pessoal é a mesma pessoa divina à qual convém, em virtude de sua própria origem, ser razão próxima de toda doação divina e de que ela mesma seja doada de uma maneira completamente gratuita à criatura racional. E nesse sentido pessoal, o nome dom corresponde exclusivamente ao Espírito Santo, o qual, pela mesma razão que procede por via de amor, tem razão de primeiro dom, porque o amor é o primeiro que damos a uma pessoa sempre que lhe concedemos alguma graça.

 

2. Nomes apropriados ao Espírito Santo

 

São muitos os nomes que a tradição, a liturgia da Igreja e a própria Escritura Sagrada apropriam o Espírito Santo. Se chama Espírito Paráclito, Espírito Consolador, Espírito de verdade, Virtude do Altíssimo, Advogado, Dedo de Deus, Hóspede da Alma, Selo, União, Nexo, Vínculo, Beijo, Fonte viva, Fogo, Unção espiritual, Luz beatíssima, Pai dos pobres, Doador de dons, Luz dos corações, etc.

 

Vamos examinar brevemente os fundamentos desses nomes apropriados ao Espírito Santo.

 

1. ESPÍRITO PARÁCLITO. – O próprio Jesus Cristo emprega esta expressão aludindo ao Espírito Santo (Jo 14,16 e 26; 15,26; 16,7). Alguns a traduzem pela palavra Mestre, porque o próprio Cristo disse pouco depois que “ensinar-vos-á toda a verdade”( Jo 14, 26). Outros traduzem por Consolador, porque impedirá que os apóstolos se sintam órfãos com a suavidade de sua consolação (Jo 14,18). Outros traduzem a palavra Paráclito por Advogado, que pedirá por nós, na frase de São Paulo, “com gemidos inenarráveis” (Rm 8, 26).

 

2. Espírito criador. – “O Espírito – diz São Tomás – é o princípio da criação” (São Tomás de Aquino Contra Gent. IV c.20). A razão é porque Deus cria as coisas por amor, e o amor em Deus é o Espírito Santo. Por isso diz o salmo: “Envia teu Espírito e serão criados”(Sl 103,30).

 

3. Espírito de Cristo. – O Espírito Santo preenchia por completo a alma santíssima de Cristo (Lc 4,1). Na sinagoga de Nazaré, Cristo aplicou a si mesmo o seguinte texto de Isaías: “O Espírito Santo está sobre mim”(Is 61,1; cf. Lc 4,18). E São Paulo diz que, “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse não é de Cristo” (Rm 8, 9); mas “se o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus habita em vós..., dará também vida a vossos corpos mortais por virtude de seu Espírito, que habita em vós” (Rm 8, 11).

 

4. Espírito de verdade. – É expressão do próprio Cristo aplicada por Ele ao Espírito Santo: “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não lhe vê nem conhece”( Jo 14, 17). Significa, segundo São Cirilo e Santo Agostinho, o verdadeiro Espírito de Deus, e se opõe ao espírito do mundo, à sabedoria embusteira e falaz. Por isso acrescenta o Salvador “que o mundo não pode receber”, porque “o homem animal não percebe as coisas do Espírito de Deus. São para ele necessidade e não pode entendê-las, porque deve-se julgá -las espiritualmente”( 1Cor 2, 14).

 

5. Virtude do altíssimo. – É a expressão que emprega o anjo da anunciação quando explica a Maria de que maneira se verificará o mistério da encarnação: “O Espírito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”(Lc 1, 35). Em outras passagens evangélicas se alude também à “virtude do alto” (Lc 24, 49).

 

6. Dedo de Deus. – No hino Veni, Creator Spiritus, a Igreja designa ao Espírito Santo com esta misteriosa expressão: “Dedo da destra do Pai”: Digitus paternae dexterae. É uma metáfora muito rica de conteúdo e muito fecunda em aplicações. Porque nos dedos da mão, principalmente da direita, está toda nossa potência construtiva e criadora. Por isso a Escritura coloca a potência de Deus em suas mãos: as tábuas da Lei foram escritas pelo “dedo de Deus” (Dt 9,10); os céus são “obra dos dedos de Deus” (Sl 8, 4); os magos do faraó tiveram de reconhecer que nos prodígios de Moisés estava “o dedo de Deus” (Ex 8,15; Vulg. 19), e Cristo expulsava demônios “com o dedo de Deus” (Lc 11, 20). É, pois, muito apropriada essa expressão, aplicada ao Espírito Santo, para significar que por Ele se verificam todas as maravilhas de Deus, principalmente na ordem da graça e da santificação.

 

7. Hóspede da alma. – Na sequência de Pentecostes se chama ao Espírito Santo “doce hóspede da alma”: dulcis hospes animae. A inabitação de Deus na alma do justo corresponde por igual às três divinas pessoas da Santíssima Trindade, por ser uma operação ad extra (Jo 14,23; 1Cor 3,16-17); mas como se trata de uma obra de amor, e estas se atribuem de um modo especial ao Espírito Santo, daí decorre considerar-Lhe de maneira especialíssima como hospede dulcíssimo de nossas almas (1 Cor 6, 19).

 

8. Selo. – São Paulo diz que fomos “selados com o selo do Espírito Santo prometido” (Ef 1,13), e também que “Ora, quem nos confirma a nós e a vós em Cristo, e nos consagrou, é Deus. Ele nos marcou com o seu selo e deu aos nossos corações o penhor do Espírito” (2Cor 1, 21-22).

 

9. União, nexo, vínculo, beijo... – São nomes com os quais se expressa a união inseparável e estreitíssima entre o Pai e o Filho em virtude do Espírito Santo, que procede dos dois por uma comum espiração de amor.

 

10. Fonte viva, fogo, caridade, unção espiritual. – Expressões do hino Veni, Creator, que encaixam muito bem com o caráter e personalidade do Espírito Santo.

 

11. Luz beatíssima, pai dos pobres, doador de dons, luz dos corações... – Todas estas expressões são aplicadas pela santa Igreja ao Espírito Santo na magnífica sequência de Pentecostes, Veni, Sancte Spiritus.

 

Estes são os principais nomes que a Sagrada Escritura, a tradição cristã e a liturgia da Igreja apropria ao Espírito Santo pela grande afinidade ou semelhança que existe entre eles e os caracteres próprios da terceira pessoa da Santíssima Trindade. Todos eles, bem meditados, encerram grandes ensinamentos práticos para intensificar em nossas almas o amor e a veneração ao Espírito santificador, a cuja perfeita docilidade e obediência está vinculada a marcha progressiva e ascendente para a santidade mais elevada.

 

Fonte: Fr. Antonio Royo Marín - O Grande desconhecido.