"Um ramo sairá do tronco de Jessé, um renovo brotará de suas raízes. Sobre Ele há de pousar o Espírito do SENHOR, espírito de sabedoria e inteligência, espírito de conselho e fortaleza, espirito de conhecimento e de temor do SENHOR. No temor do SENHOR está o seu prazer." (Isaías 11, 1-3)

"ELE vos batizará com o Espírito Santo e com fogo." (Mateus 3, 11)

Introdução

 

Quando São Paulo chegou pela primeira vez a Atenas, entre os inumeráveis ídolos de pedra que preenchiam as ruas e praças e que renderam ao satírico Petrônio sua famosa frase de “ser mais fácil nesta cidade encontrar-se com um Deus do que com um homem( Petrônio, Satiricon, 17.) chamou-lhe a atenção de maneira poderosa um altar com a seguinte inscrição: “ao Deus desconhecido”, o que lhe deu a oportunidade e ocasião para seu magnífico discurso no Areópago: “pois bem, aquilo que adorais sem conhecer, eu vos anuncio”. ( At, 17, 23. 14) Mais tarde, ao chegar novamente o grande Apóstolo à cidade de Éfeso, buscou alguns discípulos que já haviam aceitado a fé cristã e lhes perguntou: “vós recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?”. Eles responderam: “nem sequer ouvimos dizer que existe Espírito Santo!”. (At 19, 2.)

 

Mesmo que pareça incrível, depois de vinte séculos de cristianismo, se São Paulo voltasse a formular a mesma pergunta a uma grande multidão de cristãos, obteria uma resposta muito parecida àquela tão desconcertante que lhe deram os primeiros discípulos de Éfeso. Em todo caso, mesmo seu nome soando materialmente familiar, é muito pouco o que sabem d’Ele a imensa maioria dos cristãos atuais. Cremos ser oportuno, antes de mais nada, expor os principais motivos e as tristes consequências deste lamentável esquecimento da adorável pessoa do Espírito Santo.

 

Falta de manifestações

 

O primeiro motivo da ignorância geral a respeito da terceira pessoa da Santíssima Trindade, obedece, quiçá, a suas próprias manifestações muito pouco sensíveis e, por isso mesmo, muito pouco perceptíveis para a imensa maioria dos homens. Se conhece muito bem ao Pai, se lhe adora e ama. Como poderia ser de outra maneira? Suas palavras são palpáveis e estão sempre presentes aos nossos olhos. A magnificência dos céus, as riquezas da terra, a imensidão dos oceanos, o ímpeto das torrentes, o rugir dos trovões, a harmonia maravilhosa que reina em todo o universo e outras mil coisas admiráveis repetem continuamente, com soberana eloquência e ao alcance de todos, a existência, a sabedoria e o formidável poder de Deus Pai, Criador e Conservador de tudo quanto existe. Conhecemos, adoramos e amamos imensamente também ao Filho de Deus. Seus predicados não são menos numerosos nem eloquentes que os de seu Pai celestial.

 

A história tão comovedora de seu nascimento, vida, paixão e morte; a cruz, os templos, as imagens, o cotidiano sacrifício do altar, suas numerosas festas litúrgicas recordam a todos continuamente os diferentes mistérios de sua vida divina e humana; a eucaristia, sobretudo, que perpetua sua presença real, ainda que invisível nesta terra, faz convergir a Ele o culto de toda a Igreja Católica. Mas com o Espírito Santo, as coisas ocorrem de forma diversa. Mesmo sendo verdade, como disse admiravelmente São Basílio e como veremos amplamente ao longo destas páginas, “tudo quanto as criaturas do céu, e da terra possuem na ordem da natureza e da graça, provém d’Ele de modo mais íntimo e espiritual”, a santificação que opera em nossas almas e a vida sobrenatural que difunde por todas as partes, escapam em absoluto à percepção dos sentidos. Nada mais visível do que a criação do Pai e nada mais oculto do que a ação do Espírito Santo.

 

Por outra parte, o Espírito Santo não se encarnou como o Filho, não viveu e nem conversou visivelmente com os homens. Só três vezes se manifestou sob um signo sensível, embora simples e passageiro: em forma de pomba sobre Jesus ao ser batizado no rio Jordão, de nuvem resplandecente no monte Tabor e de línguas de fogo no cenáculo de Jerusalém. A isso se reduzem todas as teofanias evangélicas e nenhuma outra, ao que parece, teve lugar em toda a história da Igreja; razão pela qual sabiamente a própria Igreja proíbe representá-lo sob qualquer outro símbolo. Os artistas não dispõem aqui da variedade de possibilidades representativas: só dois ou três símbolos e estes, bem pouco humanos e nada divinos, são os únicos que podem oferecer à piedade dos fiéis para conservar a memória de sua existência e seus imensos benefícios.

 

Falta de doutrina

 

Outro motivo do grande desconhecimento que sofrem os fiéis – e até mesmo o clero – do Espírito Santo e de suas operações, está relacionado à escassez de doutrina, que por sua vez, se deve à escassez de boas publicações antigas e modernas a respeito da mesma pessoa divina: Quantas vezes – escreveu sobre isso o monsenhor Gaume – ouvimos lamentarem-se a nossos veneráveis irmãos de sacerdócio da penúria de obras a respeito do Espírito Santo! E por desgraça, suas lamentações são demasiadamente fundamentadas. De fato, qual é o tratado sobre o Espírito Santo que se tenha escrito em muitos séculos?... Mesmo os ensinamentos da teologia clássica sobre esse assunto se reduzem a alguns capítulos do tratado sobre a Trindade, do credo e dos sacramentos. Todos concordam que essas noções são totalmente ineficientes.

 

E quanto aos catecismos diocesanos, que são ainda mais restritos do que os manuais de teologia elementar, quase todos se limitam a algumas definições. Há de se convir, com vivo sentimento, que inclusive nas primeiras nações católicas o ensinamento sobre o Espírito Santo deixa muito a desejar. Quem creria que, em meio a tantos sermões e panegíricos de Bossuet, não se encontra nenhum sobre o Espírito Santo, nenhum sequer em Masillon e apenas um em Bourdaloue? É verdade que o meio de se preencher esta lacuna tão lamentável seria o recurso aos Padres da Igreja e aos grandes teólogos do Medievo, mas quem teria tempo e possibilidade de fazê-lo? Daqui provém uma extrema dificuldade para o sacerdote zeloso, tanto para se instruir a si mesmo, como para ensinar aos outros.

 

E do pouco em geral que sabem os mestres, pode-se deduzir o pouco que sabem os discípulos. Algumas breves e abstratas noções, que deixam na memória mais palavras do que ideias, constituem a introdução da primeira infância. Com a ocasião do sacramento da confirmação chegam a ser, é verdade, um pouco mais extensas e completas; mas por uma parte, a idade ainda demasiada tenra, impede de tirar o devido proveito e, por outra, se continua no terreno das abstrações. Pela palavra do catequista o Espírito Santo não toma corpo, não chega a ser pessoa, mesmo Deus; e não sabendo o que dizer de sua íntima natureza, passa a falar de seus dons. Porém mesmo estes, sendo puramente espirituais e internos, não são acessíveis à imaginação nem aos sentidos.

 

Grande é, pois, a dificuldade de explicá-los e maior ainda de fazê-los compreender. No ensinamento ordinário não se mostra a eles com clareza, nem em si mesmos, nem em sua aplicação aos atos da vida, nem em sua oposição aos sete pecados capitais, nem em sua necessária concatenação para a vida sobrenatural do homem, nem como coroamento do edifício da salvação. Por isso, ensina a experiência que, de todas as partes da doutrina cristã, a menos compreendida e a menos apreciada é precisamente a que mais deveria sê-lo, já que – e isto todos sabem e compreendem – conhecer pouco e mal a terceira pessoa da Santíssima Trindade é conhecer pouco e mal esse primeiro e principal mistério de nossa santa fé, sem o qual é impossível se salvar.

 

Falta de devoções

 

Um terceiro e grave motivo concorre com os precedentes em manter o lamentável estado de coisas que estamos denunciando: a escassez de devoções, funções e festas ao redor do Espírito Santo, enquanto se multiplicam sem cessar sobre tantas outras coisas. Certamente, todas as devoções aprovadas pela Igreja são muito úteis e santas, e devemos admirar e louvar à divina Providência, que as suscitou de acordo com várias exigências da vida religiosa e social. Algumas delas são indispensáveis para o verdadeiro cristão, tais como à Paixão do Senhor, ao Santíssimo Sacramento, à Virgem Maria, etc. O próprio Jesus e sua santa Mãe se compraziam em nos revelar a importância e as vantagens de algumas dessas devoções relativas a eles mesmos, tais como a do Sagrado Coração e a do Santíssimo Rosário.

 

Mas tudo isso não deveria diminuir ou faze-nos esquecer uma devoção tão importante e fundamental como a relativa ao Espírito Santo. Essa é a devoção que deveríamos fomentar intensamente sem diminuir àquelas outras. A própria festa de Pentecostes, que no rito litúrgico só rivaliza com os solenes ritos da Páscoa e do Natal – o que mostra a importância extraordinária que a santa Igreja concede à devoção à terceira pessoa da Santíssima Trindade –, não se celebra ordinariamente com o esplendor e entusiasmo que seria de se desejar. Enquanto que nas outras duas solenidades do ano litúrgico, Natal e Páscoa, nota-se claramente uma adequada correspondência por parte dos fiéis do mundo inteiro, a solenidade de Pentecostes passa completamente inadvertida, como se tratasse de um domingo qualquer. É um fato indiscutível que se repete ano após ano.

 

Desse modo, vai transcorrendo quase todo o ano sem uma conveniente celebração ao Espírito Santo. Os cristãos reflexivos se espantam e se afligem com toda a razão. O pior de tudo é que a grande maioria dos fiéis nem sequer se dá conta desse inconveniente tão grande e nem se recorda que no Deus que adora existe uma terceira pessoa que se chama Espírito Santo. Como poderia ser de outra maneira, se quase nunca ouvem falar desse Deus, o qual não vêem comparecer jamais sobre nossos altares? Podemos afirmar sem temeridade: Para uma inumerável multidão de fiéis, o Espírito Santo é o Deus desconhecido, de quem São Paulo encontrou o altar ao entrar em Atenas.

 

No entanto, convém observar – para não dar motivo a exageros ou mal-entendidos – que a fórmula paulina do Deus desconhecido, tomada em seu sentido óbvio, não quer dizer que os pagãos ignorassem completamente a existência de Deus, senão que não tinham uma ideia justa de suas perfeições e obras e, sobretudo, que não lhe rendiam o culto que lhe era devido. Aplicada ao Espírito Santo como fazemos nós, a fórmula Deus desconhecido não tem nada de exagerada. Conforme o conceito de São Paulo - não que os cristãos de nosso tempo ignorem a existência da divindade do Espírito Santo – quer dizer que a maior parte deles não têm um conhecimento suficientemente claro de suas obras, de seus dons, de seus frutos, de sua ação santificadora na Igreja e nas almas e, especialmente, não rendem o culto divino a quem tem tanto direito quanto as outras duas pessoas da Santíssima Trindade. Nisso, cremos que todos estamos de acordo. Vejamos agora as tristes e perniciosas consequências que derivam de tamanha ignorância.

 

Consequências funestas deste esquecimento

 

De tudo quanto acabamos de dizer, é evidente que o Espírito Santo, enquanto Deus, não pode experimentar nenhuma dor ou tristeza. Infinitamente feliz em si mesmo, não necessitaria de nossa recordação e de nossas homenagens para nada. Mas, se por uma absurda impossibilidade, fosse acessível à dor, certamente a experimentaria com grande intensidade ante nosso incrível desconhecimento e esquecimento de sua divina pessoa. Poderia repetir as mesmas palavras que o salmista põe na boca do futuro Messias abandonado por seu povo predileto: “conheces o opróbrio, a confusão e a ignomínia que padeço. Na tua presença estão todos os que me afligem. A ignomínia oprime meu coração e eu vacilo, esperei em vão quem tivesse pena de mim, procurei quem me consolasse, mas não encontrei”. (Sl 69,20-21.)

 

Esse lamento está tão mais justificado se tivermos em conta a dor – por assim dizer – que o Espírito Santo deve experimentar ao não poder se expandir sobre as almas e sobre o mundo cristão, como quer tão ardentemente. Nada há e nem pode haver de mais difuso do que este Espírito, que é pessoalmente o sumo bem; e, no entanto, ao tropeçar na rebeldia de nossa liberdade esquecidiça e indiferente, se sente como que constrangido a restringir-se, a limitar sua ação santificadora a poucas almas que lhe são inteiramente fiéis, a dar, como que com mão avara, seus dons inefáveis, posto que são muito poucos os que os pedem e menos ainda os que são dignos deles.

 

Mais ainda: com frequência vê aqueles que são seu templo de carne e osso – esses templos consagrados por Ele mesmo com a água do batismo e santificados e embelezados depois de tantos modos miseravelmente profanados com os mais sujos e repugnantes pecados, e se vê expulso vilmente desses templos para dar lugar ao espírito da fornicação, do ódio, da vingança, da soberba e de todos os demais pecados capitais. Porém muito mais do que o próprio Espírito Santo, os próprios cristãos deveriam se condoer ao se verem tão pouco instruídos e dignos de um Deus tão grande. Porque isso significa, sobretudo, ignorar ou desprezar a própria fonte da vida sobrenatural e divina. A Igreja, em seu Símbolo fundamental, reconhece expressamente no Espírito Santo este estupendo atributo de conferir às almas a vida sobrenatural: “cremos no Espírito Santo, que é o Senhor e que dá a vida (“Dominum et vivificantem”)”.

 

A dependência da vida sobrenatural da divina virtude do Paráclito é um princípio fundamental e eminentemente dinâmico do cristianismo. Esse princípio, ou melhor, a orientação prática que deriva dele, constitui o ponto de partida de todo progresso espiritual, da ascensão progressiva desde a comum e simples vida cristã, até as formas mais elevadas e sublimes de santidade. Pode-se dizer que nessa palavra vivificante, referida ao Espírito Santo, está encerrada como que em germe toda a teologia da graça. De onde resulta que, sem um adequado conhecimento e culto do divino Espírito, o germe da vida cristã, sobrenaturalmente infundido por Ele no Batismo, se encontra como que paralisado ou contrariado em seu ulterior desenvolvimento. A alma sofre, vegeta, se debilita e muito dificilmente poderá chegará à virilidade cristã. Os que não se preocupam – e são muitíssimos, desgraçadamente – de conhecer e adorar ao Espírito Santo, opõem entre Ele e sua vida espiritual um obstáculo insuperável.

 

Este mundo da graça, este verdadeiro e único consórcio da alma com Deus, com todos seus elementos divinos, com suas leis maravilhosas, com seus sagrados deveres, com sua incomparável magnificência, com sua realidade eterna, com suas lutas, suas alegrias, suas alternativas e seu fim; este mundo superior para o qual foi criado o homem e que nele deve viver, se mover e habitar, é como se não existisse para ele. A nobre emulação que dele deveria espontaneamente derivar, transforma-se em fria indiferença; a estima, em desprezo; o amor, em desgosto; o entusiasmo, em tédio e aborrecimento. Criado para o céu, não busca e nem aprecia mais do que o terreno, sua vida se concentra no mundo sensível e se converte em puramente terrena e animal.

 

Não há mais do que um meio para torná-la prática e verdadeiramente cristã: conhecer, invocar, amar, viver em união íntima e entranhável com o Espírito Santo, Senhor e doador de vida: Dominum et vivificantem. Vamos abordar o estudo teológico-místico da adorável pessoa do Espírito Santo, de sua ação santificadora na Igreja e nas almas através de seus preciosíssimos dons e carismas. Oferecemos estas páginas, uma vez mais, à Imaculada Virgem Maria, esposa fidelíssima do Espírito Santo, para que as bendiga e fecunde para a glória de Deus e santificação das almas.

 

(Fonte: Fr. Antonio Royo Marín)

Exorto-vos, pois, – prisioneiro que sou pela causa do Senhor –, que leveis uma vida digna da vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e ama­bilidade, com grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos. (Efésios 4, 1-6)